terça-feira, 27 de maio de 2014

Prémio EXPRESSÃO Rio Vivo - 1º Prémio - Crónica

Aqui fica o texto premiado na Modalidade Crónica no Prémio EXPRESSÃO Rio Vivo 2013/14. A autoria é de António José Farinhas (11º C). Parabéns.


A chuva que o vento fazia parecer forte caía, a um ritmo inconstante, na minha cabeça. Era um dia de Outono estranho, fazia-me lembrar o Inverno do ano anterior no qual a minha cabeça já voava algures por esta cidade que parece morta.
Não havia movimento, apenas algumas luzes de carros, que já via desfocadas, e de pastelarias abertas, vazias. O centro histórico é o cenário perfeito para um filme de terror, sem personagens. Não entendo onde se escondem as pessoas que, nos estados de uma qualquer rede social, dizem ser felizes. Certamente terão medo de sair para o exterior e serem engolidas pelo pavoroso nevoeiro deste anómalo Outubro.
De dois em dois minutos ouvia o barulho de galochas a calcar poças de água. Pessoas com algo bizarro que se movimentavam. Saliento, todas elas tinham algo de estranho. São poucas, para uma cidade com tantos milhares de habitantes. Sete da tarde, e assim se encontrava a minha cidade, adormecida.
Saio à rua para me sentir só, vaguear pelas ruelas apertadas e tortas que estão estranhamente repletas de conhecimento, nas paredes de granito esburacadas e nos placares que anunciam teatros de há dois anos.
Passeio mais de duas horas, sempre com o vento a varrer-me a cabeça, e talvez a alma. O aparente destino é o caixote do lixo semiaberto, cheio até ao cimo com garrafas vazias de bebidas brancas, no fundo da rua 31 de Janeiro. E isso o vento levou...
Passou uma noite, talvez duas... Deixei-me apoderar pela perturbação, estava perplexo, mais irresoluto que nunca.
Estamos claramente presos, enjaulados, explorados e extorquidos. Feitos prisioneiros, como uma ave de asa ferida ou mantida engaiolada desde sempre. Apavorados, uma lástima; governados pelo medo. Enclausurados numa cidade perdida, que se perdeu a contar os dias que lhe restavam, como um doente com cancro que anseia a chegada da morte. Qual vida? Qual esperança? Nestas condições, se vivemos sem sonhar, nem sequer vivemos. Temos os olhos vendados permanentemente. Tudo isto porque a minha cidade decidiu que não quer mais ser feliz.
Não tenho qualquer garantia de um futuro digno… Esqueçamos isso por um momento. Vamos sonhar. Só quero, só queria... ser uma ave e ir para terras desconhecidas; longe do mundo obsceno e da hipocrisia do terreno. E voar…
Pássaros... A melodia que ouço, os movimentos que vejo, tudo não passa de um sonho.
Deito-me e imagino todos aqueles pássaros a escapar por entre as grades da gaiola que tão cuidadosamente foi construída. As suas dimensões estavam corretas, não havia qualquer erro de estrutura ou de construção; o projeto foi seguido à risca mas é certo que os pássaros fugiram todos, até mesmo aquele que tinha medo de voar.
    Para dizer a verdade, também tenho medo de voar... Mas quero ser livre! Vivi sempre preso a pessoas e memórias das quais não me queria libertar. Agora, enlouqueci. A demência apoderou-se de mim.

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