A chuva que o vento
fazia parecer forte caía, a um ritmo inconstante, na minha cabeça. Era um dia
de Outono estranho, fazia-me lembrar o Inverno do ano anterior no qual a minha
cabeça já voava algures por esta cidade que parece morta.
Não havia movimento,
apenas algumas luzes de carros, que já via desfocadas, e de pastelarias
abertas, vazias. O centro histórico é o cenário perfeito para um filme de
terror, sem personagens. Não entendo onde se escondem as pessoas que, nos
estados de uma qualquer rede social, dizem ser felizes. Certamente terão medo
de sair para o exterior e serem engolidas pelo pavoroso nevoeiro deste anómalo
Outubro.
De dois em dois
minutos ouvia o barulho de galochas a calcar poças de água. Pessoas com algo
bizarro que se movimentavam. Saliento, todas elas tinham algo de estranho. São
poucas, para uma cidade com tantos milhares de habitantes. Sete da tarde, e
assim se encontrava a minha cidade, adormecida.
Saio à rua para me
sentir só, vaguear pelas ruelas apertadas e tortas que estão estranhamente
repletas de conhecimento, nas paredes de granito esburacadas e nos placares que
anunciam teatros de há dois anos.
Passeio mais de duas
horas, sempre com o vento a varrer-me a cabeça, e talvez a alma. O aparente
destino é o caixote do lixo semiaberto, cheio até ao cimo com garrafas vazias
de bebidas brancas, no fundo da rua 31 de Janeiro. E isso o vento levou...
Passou uma noite,
talvez duas... Deixei-me apoderar pela perturbação, estava perplexo, mais
irresoluto que nunca.
Estamos claramente
presos, enjaulados, explorados e extorquidos. Feitos prisioneiros, como uma ave
de asa ferida ou mantida engaiolada desde sempre. Apavorados, uma lástima;
governados pelo medo. Enclausurados numa cidade perdida, que se perdeu a contar
os dias que lhe restavam, como um doente com cancro que anseia a chegada da
morte. Qual vida? Qual esperança? Nestas condições, se vivemos sem sonhar, nem
sequer vivemos. Temos os olhos vendados permanentemente. Tudo isto porque a
minha cidade decidiu que não quer mais ser feliz.
Não tenho qualquer
garantia de um futuro digno… Esqueçamos isso por um momento. Vamos sonhar. Só
quero, só queria... ser uma ave e ir para terras desconhecidas; longe do mundo
obsceno e da hipocrisia do terreno. E voar…
Pássaros... A
melodia que ouço, os movimentos que vejo, tudo não passa de um sonho.
Deito-me e imagino
todos aqueles pássaros a escapar por entre as grades da gaiola que tão
cuidadosamente foi construída. As suas dimensões estavam corretas, não havia
qualquer erro de estrutura ou de construção; o projeto foi seguido à risca mas
é certo que os pássaros fugiram todos, até mesmo aquele que tinha medo de voar.
Para dizer a verdade, também tenho medo de voar... Mas quero ser livre! Vivi sempre preso a pessoas e memórias das quais não me queria libertar. Agora, enlouqueci. A demência apoderou-se de mim.
Para dizer a verdade, também tenho medo de voar... Mas quero ser livre! Vivi sempre preso a pessoas e memórias das quais não me queria libertar. Agora, enlouqueci. A demência apoderou-se de mim.
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