A
narrativa decorre em dois espaços chave: a montanha,
virada para a neve e para a lua, anunciando a prioridade da revelação e da
aparição de si a si mesmo, e a planície onde está sentada a cidade branca que retém em si a memória dos séculos, a
memória de origens. E neles vamos recuperando as experiências pessoais não só
das personagens, mas também as nossas. Daí a permanente importância daquilo que
é narrado: entramos na história e recordamos as nossas próprias experiências.
Do mastigar das palavras, do reflexo
no espelho, das mortes dos seres queridos, da incapacidade de nos conhecermos
na totalidade e da respetiva angústia existencial. Por isso vivemos nas
personagens, pensamos com elas, experienciamos através delas.
E as
personagens completam-se e completam-nos. Em Évora, encontramos três irmãs que entretecem
as suas vivências, por isso apenas uma sobrevive e consegue atingir a
respetiva acalmia. Cristina encarna a inocência na projeção da sua música
instrumental que apazigua; Sofia projeta-se no canto, na sua bela voz de
contralto que, na sua rebeldia, nos transporta para o que é a essência do ser
pensante; Ana espelha-se nas palavras: através delas vai conseguir o
apaziguamento final. A inocência de Cristina não era deste mundo; a rebeldia de
Sofia era incompatível com este mundo; só a idealização de Ana, realizada na
maternidade por adoção, já que era estéril, consegue subsistir neste mundo
adverso à condição natural do ser humano pensante e atuante.
Há
outras obras de Vergílio Ferreira, talvez mais perfeitas em termos narrativos,
talvez mais interessantes a nível temático, mas, para mim, Aparição é o romance mais atrativo e mais completo da sua obra
romanesca. A obra é de 1959 e valeu ao autor o seu primeiro prémio literário,
em 1960, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Outros mais viriam
posteriormente.
José Manuel Monteiro (professor)
0 comentários :
Enviar um comentário
Os comentários anónimos serão rejeitados.