Sou mulher, sou pessoa.
Sou uma criatura admirável. Como
seria o mundo sem mim?
Muitas vezes ele contraria os meus
pontos de vista, aliás, chega a agredir-me quando acha que tem razão. Começa
por uma ‘simples’ bofetada na face e depois, quando dou conta, estou a ser
dominada por ele, até à morte. É fácil para quem assiste de fora. O amor pode
ser cego, pode mesmo matar e, sem noção do real, continuo. Não aceito ajuda,
digo a quem me interroga que caí, ou que bati contra uma porta. Sinto-me fraca,
sem coragem para enfrentar a cobardia que se esconde por detrás da
testosterona.
Durante anos fiquei presa em casa
porque a minha única função era a de procriar e tratar das lides domésticas.
Não podia estudar e superar-me. Ele era tido como o mais inteligente e forte,
daí que tenha tido tantos direitos e tão poucos deveres. Bastava um dever para
mudar o mundo: o respeito por mim.
Hoje, a realidade é diferente. Hoje
eu trabalho, contudo ainda não consegui que me dessem o valor que mereço para
ganhar tanto ao fim do mês como ele. Hoje, já o consigo denunciar, mas, por
vezes, ele continua a deixar a minha pele com as marcas negras da dor. Hoje espero
que seja o passado de amanhã.
Não deixo de seguir, assim, invicta
e convicta que vou conseguir superar os meus objetivos, porque afinal ele
também consegue amar-me e respeitar-me, pelo menos, parte dele. Sou eu que
carrego o fruto da nossa descendência durante meses e com ele, todos os
sofrimentos associados. Fui eu que descobri a radioatividade, fui eu que
desenvolvi a bioquímica americana para tratamentos de leucemia, fui eu que vivi
mais de metade da minha vida a estudar a vida dos chimpanzés, fui eu que
impulsionei o Brasil na produção de soja, fui eu que descobri as primeiras
pulsares, fui eu que descobri o vírus da SIDA, fui eu que desenvolvi os
conhecimentos de doenças genéticas. Fui eu que no meu ventre carreguei toda a
humanidade. Fui eu e continuo a ser eu.
Eu e ele fazemos parte da mesma
unidade. Mas continua a faltar paridade entre estes dois lados da humanidade.
Sou mulher, sou pessoa.
A
aluna da ESAAG,
Matilde Almeida
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