De entre vários poemas de Natal que Jorge de Sena fez, aqui fica um muito característico em que o poeta percorre uma série de autores que poderiam ter escrito sobre o Natal. Mais podem ser lidos por exemplo num blogue dedicado a este grande poeta: ver aqui.
Sobre uma Antologia Lírica do Natal
Natal de 69
Dos céus à Terra desce a mor Beleza
(não foi Camões quem disse realmente)
Queimando o véu dos séculos futuros
(disse Bocage – inquisidores à espreita)
Jesus nasceu! Na abóbada infinita
(sem fé com só Parnaso é de Bilac)
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
(Fernando António Nogueira Pessoa)
De novo a noite longa escura e fria
(o Cristo Régio Cristo dos Reis Pereira)
Fosse eu Jesus do céu e não viria
(era Moreira só e mais das Neves).
Brinquedos, prendas, doces, bacalhau,
missa do galo, o sapatinho, o abeto
a concorrer pagão com o presépio,
cartões de Boas Festas, e as cantigas
nacionais importadas e folclóricas,
e pombinhas da paz de maus poetas,
e a fé sem fé da crença que não crê,
ou escreve versos de Natal raivoso,
e peste e fome e guerra e dor de não
doer o coração que não existe.
Mais dia menos dia todos vão
pôr um versinho bom ou mau como ovo
e não se sabe o que nasceu primeiro
se a galinha se o ovo. Antes calar
que este sofrer de prometida glória
sem ter vivido em honra e liberdade
amando os outros como se a nós mesmos.
Que saudade de alma, e que brandura
(Fr. Agostinho espera edição crítica)
Amor que tudo vence e tudo apura
(talvez que seja Baltazar Estaço).
Dormes, Jerusalém? Acorda, acorda
(clamava o árcade Garção, coitado)
Bairro elegante – e que miséria! (disse
em raros octossílabos Feijó)
Ó noite santa, e clara, inda que escura
(Diogo Bernardes escreveu tranquilo)
Turvou-se de penumbra o dia cedo
(por certo Ereira onde este Afonso estava)
Crianças se sumiram num incêndio…
Que rósea aurora as ressuscitará?
(há já vinte anos perguntei – não digam).
(não foi Camões quem disse realmente)
Queimando o véu dos séculos futuros
(disse Bocage – inquisidores à espreita)
Jesus nasceu! Na abóbada infinita
(sem fé com só Parnaso é de Bilac)
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
(Fernando António Nogueira Pessoa)
De novo a noite longa escura e fria
(o Cristo Régio Cristo dos Reis Pereira)
Fosse eu Jesus do céu e não viria
(era Moreira só e mais das Neves).
Brinquedos, prendas, doces, bacalhau,
missa do galo, o sapatinho, o abeto
a concorrer pagão com o presépio,
cartões de Boas Festas, e as cantigas
nacionais importadas e folclóricas,
e pombinhas da paz de maus poetas,
e a fé sem fé da crença que não crê,
ou escreve versos de Natal raivoso,
e peste e fome e guerra e dor de não
doer o coração que não existe.
Mais dia menos dia todos vão
pôr um versinho bom ou mau como ovo
e não se sabe o que nasceu primeiro
se a galinha se o ovo. Antes calar
que este sofrer de prometida glória
sem ter vivido em honra e liberdade
amando os outros como se a nós mesmos.
Que saudade de alma, e que brandura
(Fr. Agostinho espera edição crítica)
Amor que tudo vence e tudo apura
(talvez que seja Baltazar Estaço).
Dormes, Jerusalém? Acorda, acorda
(clamava o árcade Garção, coitado)
Bairro elegante – e que miséria! (disse
em raros octossílabos Feijó)
Ó noite santa, e clara, inda que escura
(Diogo Bernardes escreveu tranquilo)
Turvou-se de penumbra o dia cedo
(por certo Ereira onde este Afonso estava)
Crianças se sumiram num incêndio…
Que rósea aurora as ressuscitará?
(há já vinte anos perguntei – não digam).
Dezembro de 1969
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