quinta-feira, 23 de março de 2017

O MEU NOBEL - 4 Svetlana Alexievich, entre o jornalismo e a ficção



A pedido do Jornal Expressão irei escrever sobre esta Prémio Nobel que é mulher admirável, sensível e original. Svetlana Alexievich, de 68 anos, nasceu em Stanislav, a 31 de Maio, na Bielorrússia e foi Prémio Nobel em 2015. Este foi o primeiro prémio Nobel diferente, atribuído a alguém de fora da literatura clássica.
Apesar da sua formação superior em Jornalismo na Universidade de Minsk , Svetlana destaca-se com um novo género literário, a Novela Coletiva, uma área indefinida, entre o jornalismo e a ficção. No fundo a sua obra hibrida jornalismo e literatura, reunindo um vasto espólio de testemunhos pessoais, profundamente emotivos e fortes, de pessoas que vivenciaram acontecimentos traumáticos, como guerras ou catástrofes, como o desastre nuclear de Chernobyl. A partir destes cria crónicas pessoais da história dos homens e mulheres soviéticos e pós-soviéticos.
Livros como O Fim do Homem Soviético, Vozes de Chernobyl ou a A Guerra não tem Rosto de Mulher são verdadeiras obras literárias criadas a partir de centenas de entrevistas a homens e mulheres – “ Romance de Vozes” – onde a autora privilegia narrativas íntimas, individuais de gente comum. No fundo pretende revelar uma outra face da história, aquela que está afastada do poder, que pertence ao povo.
Sobre a seleção dos depoimentos e a construção da sua narrativa, Svetlana compara-a à obra que nasce de uma escultura e tal como o escultor deita fora os pedaços de pedra sobrantes, ela também apaga o que não interessa dos depoimentos que reuniu.
Sobre a escolha das pessoas para as entrevistas, vai dizendo que lhe interessa mais registar “a lavadeira, pessoa muito simples, que explicava como percebia os horrores da guerra pelas marcas deixadas na roupa como por exemplo, se havia um casaco sem manga é porque alguém perdera um braço; uma camisa com um buraco no peito significava um tiro no coração; alguém que relatava que as roupas eram lavadas com lágrimas, num depoimento profundamente emotivo do que, por exemplo, uma patente militar feminina, condecorada, uma mulher brava e corajosa, mas que só dizia, fiz isto e aquilo, substituí o soldado que estava na metralhadora, salvei dois feridos ... uma mulher que falava como um homem, sem emoções, sem interesse para a construção do seu “ Coro de vozes”. “
O interesse desta escritora neste tipo de depoimentos vem da sua infância, vivida numa aldeia eslava, onde praticamente só existiam mulheres e crianças. A maioria dos homens tinha morrido durante a guerra. Ela passava o tempo a ouvir falar da guerra, das perdas, do sofrimento e do horror. As conversas eram muito duras e sempre à volta da morte e estes sentimentos despertavam-lhe muito interesse e sempre quis registar estas memórias.
Ainda sobre Chernobyl vai dizendo que percebeu que as pessoas não entendiam o que era a radiação (algo que não se vê, não se cheira e não se sente ..). “Quando se deu a explosão”, relata,  “houve fumo negro, mas depois o fumo desapareceu e à noite via-se uma nuvem cor-de-rosa. As pessoas vinham de todo o lado, traziam as crianças para lhes mostrar aquela luz cor-de-rosa. As pessoas não faziam ideia dos perigos que estavam a enfrentar. “
Está neste momento a construir um livro sobre o amor, um tema que a atrai imenso, pois “constitui uma dimensão essencial do ser humano, ligada a um dos seus principais impulsos: a tentativa de ser feliz.”
Depois de ter ganho o Nobel, diz que continua a mesma pessoa, mas passou a viajar mais. Quando há pouco tempo se encontrou com a secretaria permanente da academia sueca, esta perguntou-lhe : “Svetlana, tu pelo menos em casa, por baixo do cobertor, deves pensar ‘Ah, ganhei o Nobel!’”. Mas não , não pensa assim.

Elsa Salzedas (prof. Biologia e Geologia)

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