sábado, 25 de março de 2017

O MEU NOBEL - 5 Maria Margarida Madeira escreve sobre Bob Dylan



Polémica e controvérsia foram as primeiras reações à atribuição do Prémio Nobel da Literatura de 2016. Ao que parece, para muitos, os “novos modelos de expressão poética no quadro de tradição da música americana” que a academia sueca alegou, não fazem de Bob Dylan um ícone literário. Mantenho a discrição quanto a esse tópico, ainda sem recusar o desafio de escrever sobre ele.

Dentro da obra do cantor e compositor norte-americano podemos encontrar, para além da sua vasta discografia, um menos vasto conjunto de livros por ele publicados - dos quais uma autobiografia (Crónicas), e um livro de poesia (Tarântula). Mas, respeitando o motivo pelo qual o prémio foi atribuído, a obra que irei abordar (ainda que mais num registo poético do que musical, afinal sempre se trata do Nobel da Literatura) pertence ao primeiro conjunto: o álbum Highway 61 Revisited (1965). Trata-se do álbum que veio pôr fim à crise criativa do autor, quando este ponderava terminar a sua carreira. A construção começou com um rascunho do primeiro tema, que Bob Dylan inicialmente classificou como “um longo pedaço de vómito”, mas que acabou por restaurar o entusiasmo que parecia ter-lhe fugido.

A autoestrada 61 é conhecida nos E.U.A. como a “autoestrada do blues”, por atravessar vários estados onde nasceram os seus maiores ícones, tomando início onde nasceu o próprio Bob Dylan. Há quem aprecie o álbum pela “captura do caos político e cultural dos Estados Unidos contemporâneos”. Não menosprezando esse ponto de vista, eu prefiro olhar para a obra como um interlúdio criativo do autor. Numa primeira abordagem, apercebemo-nos que este é um álbum que se desvia um pouco do registo musical característico de Bob Dylan. Esse desvio pode ser compreendido se olharmos para o álbum pela ordem em que se encontra, tema a tema, como se fosse mesmo um livro de poemas ou a própria autoestrada 61.

Like a Rolling Stone” é o primeiro tema apresentado, e situa-se portanto no início da viagem, no momento em que o sujeito poético sai de casa. Despe-se de todo o conforto da estabilidade, e pergunta-nos, a nós ouvintes, num tom quase acusativo, qual é a sensação de estar sozinho e desorientado. O próprio é simultaneamente orador e auditório, lutando em frustração contra as próprias reflexões.

Segue-se, com a mudança de ritmo, o primeiro indício de turbulência da sua viagem, resultante do “conhecimento inútil e sem sentido” que todos teimamos em adquirir - no entanto, a viagem nunca chega a perder o equilíbrio pois o autor descobre a capacidade de se abstrair da turbulência. Sente-se amparado e confiante de que a sua obra fará tudo o que ele deixar por fazer.

Como o título indica, a sua viagem é uma revisitação ao que diz ser “o seu lugar no universo”. E a conclusão que tira dessa revisitação é que não é possível viver a vida ilusória da autoestrada 61 sem se despegar da realidade. Denuncia aqueles que veem o mundo a preto e branco, e sente-se, no meio deles, um marginal. No ponto em que explicita que o motivo que o levou a revisitar o lugar foi o facto de estar cansado de si mesmo e de todas as suas criações, percebemos que tudo na sua vida aí reencontra o seu caminho, e que, portanto, é esse que segue quando não consegue tirar nada do caminho anterior. Porém, é tempo de ressurreição existencial e o autor continua a crer-se enganado por tudo o que o rodeia; o que faz com que a esperança de atingir a escapatória que levava em mente, comece a chegar ao fim (uma vez que o trajeto está também).

Termina com “Desolation Row”, regressando ao registo musical mais característico de si, ao qual teria tentado fugir ao longo do álbum. É o término da jornada espiritual, o apocalipse poético da obra, o fim do interlúdio criativo. Olha para trás e vê o ridículo – observa que os que seguem o mesmo longo e atribulado trajeto que ele terminou, “coitados”, não têm outro destino senão o da desolação…

Em suma, trata-se de uma obra complexa que, retratando um genuíno existencialismo artístico, fá-lo através da fusão entre a música e a poesia. A eloquência da sua construção e a particularidade da escrita de Bob Dylan tornam-na cativante e digna de uma interpretação pessoal tanto da vertente musical como literária.  


Mª Margarida Madeira, 12º E

0 comentários :

Enviar um comentário

Os comentários anónimos serão rejeitados.