Não sou um bicho por estar preso,
não deixo de ser quem sou, nem sou uma pessoa sem família, felizmente.
Tenho 32 anos e estou preso no
Estabelecimento Prisional da Guarda por tráfico de estupefacientes,
exclusivamente AX, consequência de uma vida de consumos exagerados desde os
meus 15 anos.
Não culpo ninguém, foi pela minha
cabeça, foi por ter escolhido essa vida que acabei no tráfico para consumir e
vim cá parar. Não pensava no que andava a fazer, nem no mal que fazia à minha
saúde, à minha família e a quem vendia o AX. Inconscientemente, levei essa vida
até vir preso, vida da qual já estava cansado até, pois não enriquecia com
isso, nem monetariamente nem psicologicamente, vendia só para consumir e
consumia muito…
Agora estou a pagar pela minha
inconsciência, perdi a liberdade, entre muitas outras coisas que não vou
mencionar, mas sei que vou reaver outras quando sair daqui. Sei que vou deixar
marcas nos meus filhos, nos meus pais, marcas que jamais serão apagadas. A minha
mãe, a minha âncora, sofre muito com isto tudo, avisou-me tantas vezes e eu sem
ligar nada ao que me dizia. No entanto, sinto que não foi tudo em vão, o facto
de vir preso fez-me pensar melhor e de maneira diferente: já vejo a luz ao
fundo do túnel, mudei os meus hábitos, deixei o AX finalmente, e não compreendo
como passei metade da minha vida a fumar AX.
Saí da escola assim que comecei a
fumar, pois não tinha rendimento, e comecei a trabalhar como serralheiro aos 16
anos. Mesmo com o vício, fazia uma vida normal, criava os meus filhos e era bom
pai. Não era perfeito, mas era bom, atento e preocupado. Lá fora, todos me
conhecem bem e a minha família reconhece que, embora fosse fumador, cumpria com
as minhas obrigações.
Como tenho apoio de casa, tento
fazer o possível para que a minha estadia aqui seja breve, o mais curta
possível. Apesar de estar preso apenas há 22 meses e da pouca experiência que
tenho disto, procuro influenciar os meus colegas na prisão, mas muitos ainda têm
maus hábitos, maus pensamentos e é muito difícil persuadi-los para pensarem
positivo. Na cela, tento pôr os meus colegas para cima, embora seja uma tarefa
árdua, já que todos temos filhos e torna-se difícil animá-los.
Estar aqui é triste, isto é desagradável,
há muito sofrimento e pouca ajuda do pessoal responsável interno. São poucos os
que nos veem como seres humanos, muitos veem-nos como números ou animais até e
dizem-nos que só merecemos estar fechados do mundo. Não entendem as nossas
razões, as nossas fraquezas, não compreendem que errar é humano. Não quero
mudar o mundo, sei que o que faço não é suficiente, mas faço algo, vou à escola,
tento ser assíduo e pontual e estar atento, o que por vezes é difícil, pois a
cabeça está sempre lá fora, nos assuntos pendentes.
A minha marca destaca-se. Sou do
Norte, vim de longe para aqui mudar de vida, já marquei muito a minha família
com esta situação. Faço tudo para que não se esqueçam de mim.
A minha marca é o que faço e o que
sou. Havia muito para dizer, mas não digo.
O que tem esta história de
relevante? Nada, só o facto de ser feita por mim e de ser a minha.
Boa sorte para todos. Atitude!
Manuel Santos
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