O texto que venceu o Prémio EXPRESSÃO Vox Populi 2017/18 e pelo qual Ana Margarida Logrado receberá 150 Euros trata sobre o tema "Guarda - partir ou ficar", um dos dois temas a concurso. Aqui fica o texto. Parabéns, Ana Margarida.
Tema B // Guarda, partir ou ficar
Sou uma pessoa viajada. Já estive
em aldeias de céus infinitos e cidades de céus arranhados. Digo, com toda a
confiança, que isso me tornou naquilo que hoje sou. E é hoje que me apercebo
que importou tanto o facto de ter visto o mundo lá fora, como ter crescido onde
cresci.
Durante toda a minha adolescência
senti que não pertencia aqui. Sentava-me por horas no sítio mais alto da cidade
e lá ficava, a olhar de cima para a cidade de pedra que me parecia querer
segurar em baixo para sempre. A minha cabeça corria como um Bolt e a cidade nem
como um bebé gatinhava. E como eu, éramos, e somos, muitos. Somos muitos os que
acordam fartos da rotina, da mesma calçada romana e muralhas degradadas. Somos
demasiados os que sonham com cinemas alternativos (invés de cinema com filmes
que quase moram na cidade), com concertos fora do normal, palestras sobre o
mundo, expressões de minorias, diversão que faça parecer verão o ano inteiro.
Felizmente, ainda faço parte dos
que pedem por diversão e não por emprego. Esses, sim, são demasiados. A cidade
vive num ciclo aparentemente inquebrável: não há pessoas porque não há trabalho
e não há trabalho porque não há pessoas. Faz falta reverter isto, mas faz mais
falta dinheiro; faz falta empenho, faz falta originalidade.
Não há como comparar a agitação do
Porto à da Guarda, ou a poluição de Lisboa ao ar enfrascado da nossa fresca
cidade. A monotonia ninguém nos tira. Mas talvez isso não seja assim tão mau.
Sempre que alguém parte, ouço a saudade que carrega do mar de rosas que era a Guarda.
Não é qualquer um que, em quinze minutos, atravessa a cidade sem o perigo de
ser assaltado ou atropelado. Tenho orgulho em poder deixar a carteira à mostra
no carro enquanto “vou ali só aos correios”.
Ambicionarmos sair da nossa pequena
cidade não é necessariamente uma coisa má. É como uma meta — o que não
significa que não possamos voltar atrás depois de cruzarmos a linha de chegada.
Voltar a casa aquece-nos a alma. Não será que nos faz bem ir embora para
reconhecermos a sorte que aqui tivemos.
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