No
Dia do aniversário de Hans Christian Andersen, 2 de abril, vale a pena abrir a
página da IBBY (International Board for Books for Young People). Esta página,
para além de apresentar a organização e as razões da sua existência como organização promtora da literatura infanto-juvenil, mostra
discursos feitos em diversas realizações da organização; apresenta os diversos
prémios que atribui (o mais conhecido é o Prémio de Literatura Infantil Hans
Christian Andersen); as suas atividades regulares, por exemplo Books for Africa
ou Silent Books); o Calendário de Atividades da IBBY; os press releases
enviados à imprensa; etc.
Este
ano a Comemoração do Dia Internacional do Livro Infantil dentro do IBBY foi
entregue à Eslovénia (ver cartaz criado por Damijan Stepancic). O
texto-mensagem para este dia é do escritor esloveno Peter Svetina e aqui fica:
FOME DE PALAVRAS
Na minha terra, os arbustos
florescem em finais de abril, início de maio, e logo se enchem de casulos de
borboletas. Parecem bolas de algodão ou pedacinhos de algodão doce, mas as
crisálidas que ali de desenvolvem devoram folha após folha, até os arbustos
ficarem despidos. Quando as borboletas saem destes casulos, iniciam os seus
voos delicados, mas os arbustos não são destruídos. E quando chega o Verão,
florescem novamente, e assim acontece ano após ano.
É isto que sucede ao escritor e ao
poeta. São devorados, esvaziados pelas suas histórias ou poemas: quando estes
já estão escritos, saem a voar para acabar nos livros e poderem encontrar os
seus ouvintes ou leitores. E isto repete-se uma vez, e outra vez.
O que acontece aos poemas e às
histórias?
Conheço um menino que foi operado
aos olhos. Depois da cirurgia, teve de ficar duas semanas deitado sobre o lado
direito. Durante um mês, não pôde ler, não pôde ler mesmo nada. Quando ao fim
de um mês e meio pegou finalmente num livro, parecia que o livro era uma tigela
onde apanhava palavras à colher. Como se as comesse. Como se verdadeiramente as
comesse.
Conheço uma rapariga que cresceu e
é agora professora. Disse-me: coitadas das crianças a quem os pais não leem
livros.
As palavras nos poemas e nos contos
são comida. Não são comida para o corpo: ninguém pode encher o estômago com
elas. São comida para o espírito e para a alma.
Quando temos fome e sede, o estômago
encolhe-se e a boca seca. Procuramos um pedaço de pão, um prato de arroz, de
milho, um peixe ou uma banana. Quanto mais fome se tem, mais a atenção diminui,
e já não se vê mais nada para lá do pedaço de comida que nos saciaria.
A fome de palavras não se manifesta
deste modo, mas adquire a forma da melancolia, do esquecimento, da arrogância.
As pessoas que sofrem este tipo de fome não percebem que as suas almas tremem
de frio e lhes passam ao lado. Uma parte do mundo foge-lhes das mãos sem que
disso tenham consciência.
Esta fome pode ser saciada com
contos e poemas.
Mas haverá esperança para aqueles
que nunca se alimentaram de palavras para satisfazer a fome?
Sim, há. O menino lê quase todos os
dias. A menina que já cresceu e se tornou professora lê histórias aos seus
alunos. Todas as sextas. Todas as semanas. Se um dia se esquecer, os alunos vão
lembrá-la.
E quanto ao escritor e ao poeta?
Quando chegar o Verão, ficarão novamente verdes. E mais uma vez serão comidos
pelas histórias e pelos poemas que escrevem, que voarão em todas as direções,
como borboletas. Uma vez, e ainda outra vez.
Peter Svetina (n. 1970, Ljubljana,
Eslovénia) Tradução: Maria Carlos
Loureiro
0 comentários :
Enviar um comentário
Os comentários anónimos serão rejeitados.