domingo, 10 de maio de 2020

AUTO DA BARCA DO INFERNO VERSÃO 2.0 (4) A cena 3



AUTO DA BARCA DO INFERNO
VERSÃO 2.0
(pelos alunos do 9º E)
CENA 3 - O MECÂNICO

O Mecânico chega perto da Barca do Inferno. Usa um fato-macaco desbotado, gasto e sujo de óleo. Nas mãos, traz uma chave inglesa, duas velas de carros, já usadas, mas dentro de uma caixa nova e um bocado de desperdício. Na cara, também tem manchas de óleo.
Mecânico – Ó da Barca! Ó da Barca!
Diabo – Que queres tu daqui, miserável?
Mecânico – Procuro o meu futuro destino. Para onde vai esta Barca?
Diabo – Vou para onde tu já devias estar: para o Inferno que tu mereces!
Mecânico – Porra! Para aí é que eu não vou!
Diabo – Não sei porquê!!!... Está lá sempre tão quentinho! Tu, que até vens da cidade mais fria de Portugal, devias ficar contente por ir para um sítio quentinho! Olha, e nem vais gastar nada para aquecer o espaço!
Mecânico – Nem pensar! Eu não mereço ir para aí! Eu, que passei a vida a ir à missa aos domingos e dias santos, que dava esmola na Igreja…
Parvo – E pontapés aos pobres na rua, quando achavas que ninguém via!!!…
Mecânico – E ninguém via, mesmo. Eu tenho lá culpa de que eles me tentassem levar dinheiro? Que quisessem dormir na minha oficina? Claro que tinha que lhes dar no lombo!!!... Achavam que eu era parvo, não?
Parvo – Parvo sou eu, e nunca bati em ninguém. Mas olha, conheci muitos parvos como tu!
Mecânico – Não! Eu mereço entrar na Barca do Céu e é para lá que eu vou! Se for preciso, até pago o bilhete!!!
Diabo – Mas tu achas mesmo que tens hipótese na outra Barca? Quem te disse que, por acaso, és digno de exigir seja o que for? Estás entregue a mim!
Mecânico – Veremos quem tem razão! Aqui é que eu não fico! Vou procurar a entrada da outra Barca, que, essa sim, será o meu destino.
Diabo – Tenta então a tua sorte e… força! Vai lá! Depois não digas que não te avisei. (à parte, desabafando ironicamente) Ah! Ah! Ah! Coitadinho deste miserável! Tão convencido de que vai para aquela outra Barca lá!!!
O Mecânico dirige-se para a Barca do Céu, onde está o Anjo à espera de mais passageiros.
Mecânico – Ó da Barca! Ó da Barca!
Anjo – O que é que tu queres daqui?
Parvo – Aí vem alguém mais parvo que eu!
Mecânico – Quero entrar nesta Barca.
Anjo – Mas eu não te quero aqui: não és digno de aqui pores os pés.
Mecânico – Mas eu sempre fui uma boa pessoa! Ajudei sempre quem precisava e nunca recusei qualquer trabalho pedido.
Anjo – Ajudaste enganando e sempre para teu próprio bem. Mentiste e roubaste, foste ganancioso e isso não tem perdão. Vendias peças velhas dizendo que eram novas.
Mecânico – Mas eu só aproveitava peças que tinha na oficina e que estavam praticamente novas: não as podia deitar fora! Isso não ia contribuir para o meio ambiente! Ora, ora, estragar o que estava bom!!! Não estamos em tempos de desperdício!!!...
Parvo – (aparte) Olha este, a falar do meio ambiente, mas só da boca para fora! (virando-se para o Mecânico) E “davas no lombo” aos pobres que não tinham onde dormir!
Mecânico – Claro, ainda me iam roubar peças! Mas, afinal, quem és tu para me acusares? Nem sequer és o Anjo! És o quê? O porteiro? O cobrador? Sai mas é daí, que eu quero passar!
Parvo – Fracas mentiras e desculpas e fraco talento para o trabalho. Ah! Ah! Ah!
Mecânico – (virando-se para o Anjo) Eu posso-te ser útil e ajudar na Barca quando for preciso: se ela avariar, componho-a sem cobrar. Por favor, deixa-me ficar aqui. Se for preciso, até pago bilhete, que eu tenho aqui dinheiro!
Anjo – Não quero o teu dinheiro! Aqui, ninguém paga entrada: a passagem é por merecimento, não por pagamento. Aqui não ficas tu e, se eu fosse a ti, ia mas era a correr para a Barca do Diabo, antes que até ele desista de ti: lá, sim, está o teu verdadeiro destino.
 O Mecânico desiste do Anjo e vai-se dirigindo, de novo, para a Barca do Diabo.
Parvo – Isso mesmo: segue o teu caminho” Ah! Ah! Ah! Ganda idiota!….
De regresso à Barca do Inferno, cabisbaixo e chateado.
Diabo – Com que então, voltas? Eu bem te avisei! Achavas mesmo que alguém como tu merecia mais do que esta Barca? Agora entra, pois vais realmente ser-me útil. Já muitos como tu por aqui passaram. Não nos enganas, como enganaste muitos totós na vida.
O Mecânico entra, então, na Barca do Inferno e aceita o seu destino, descontente, mas sem volta a dar.

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