Maria Judite de Carvalho |
Capa do livro |
Maria Afonso, que participa na coletânea com um poema |
Maria Judite de Carvalho
Faria no passado dia 18 de setembro
cem anos. Foi autora de novelas, crónicas, mas foi sobretudo nos contos que se
destacou. Herdeira do existencialismo, nas suas obras a solidão é tratada como
algo a que não se pode fugir. A solidão está nas cidades, nas pessoas e nos
seus relacionamentos, como se fosse essência do Homem. A inquietação e a
angústia povoam a sua obra e desassossega quem a lê. Mas, ao entrarmos em
contacto com as personagens que ela nomeia desde logo, esse desassossego não magoa.
Antes nos leva a reflectir.
Vencedora de alguns prémios em vida,
manteve-se algo desconhecida do público.
Eu também não a conhecia. Tinha
lido livros do marido, o Urbano Tavares Rodrigues do qual, curiosamente, possuo
um com dedicatória. Um dia dei de caras com “Tanta Gente Mariana” e comprei-o
porque a capa me atraiu. Parece ridículo, mas quem gosta de ler pode escolher
livros da forma que bem entender. Assim passei a contactar com a MJC. Por arte
do destino conheci através da rede social Instagram a neta, Inês Tavares
Rodrigues Fraga. Fomos contactando e trocando mensagens. Um dia disse-me que
tinha livros do avô para dar, se eu queria. Claro que a proposta era
irrecusável e assim chegaram a minha casa os volumes I e II das Obras Completas.
Faltava algo de extrema urgência
que era o contacto com a poesia de MJC. Foi quando conheci e me deliciei de espanto
com “A Flor que Havia Na Água Parada”.
Tive uma vez mais o universo a meu favor ao ser convidada pela Lília
Tavares, que administra a página “Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen” (Facebook),
para participar na Antologia de homenagem a MJC com um poema inédito o qual
deveria integrar, como uma espécie de mote, alguns versos ou excertos de textos
poéticos de MJC. Pretende-se com esta iniciativa a divulgação da
obra da escritora discreta, “mulher rara”, numa vontade de devolver o seu nome
ao lugar digno que lhe é devido na história da nossa literatura.
Nesta homenagem, aqui vos deixo o meu poema.
se eu pudesse mudar
aos meus olhos doentes
o estremecer de Setembro
a vertigem do charco
o decepar da voz
esse muro cinzento
vazar a memória dos barcos
diluir o mundo no azul
demudar a flor no verde da água
nesse rio quente
sem fundo nem fim
se eu pudesse deixar
de ver coisas ausentes
a lonjura da alma
o sinal proibido
o grito da nuvem
o arrastar do vento
o cheiro a partir a não estar
aqui
voltar ao veio que descia sem
pressa
ao poço escondido de vozes ausentes
ao arame rasgado das perguntas que
fiz
olhar o meu corpo
onde nunca cheguei
de onde nunca parti
inventa-me assim nocturna e
mansa
que morra um dia nas imagens da
infância
e desperte o teu braço
nesse rio quente
ausente-presente
bem dentro de mim
Maria Afonso (NR: Poetisa e professora da ESAAG)
Muito bom, Maria Afonso.
ResponderEliminarVou partilhar.
Beijinho.
Lília