quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

POEMAS DE NATAL Litania para o Natal de 1967

    
     É um dos mais célebres poemas de Natal da língua portuguesa. O facto de ser datado transporta-nos por exemplo ao inferno do Vietname de 1967. Mas os infernos de hoje são iguais, alguns dentro de portas.
     "Ele" no entanto vai nascer esta noite à meia-noite em ponto! E anda por aí, a "pedir-nos contas do nosso tempo".





LITANIA PARA O NATAL DE 1967
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
tem no ano dois mil a idade de Cristo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos pedir contas do nosso tempo
                                        David Mourão-Ferreira


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