Pablo Neruda nasceu em Parral, no centro do país, filho de uma
professora primária que morreu tuberculosa quando ele tinha um mês e de um funcionário
dos caminhos-de-ferro. O seu nome era Neftalí Ricardo Reyes Basoalto e escolheu
o pseudónimo por que é conhecido já que "Pablo" o seduziu pela
musicalidade e pela maneira como soa, enquanto que Neruda foi uma homenagem ao
poeta checo Jan Neruda. Aos 13 anos percebia-se já o talento da criança com as
palavras e foi nessa altura que publicou num jornal o primeiro texto. Escreveu
poesia, ensaio e teatro. A par da poesia, Pablo Neruda serviu o governo chileno
como cônsul em várias cidades do mundo, chegou a ser eleito senador e foi
membro do Partido Comunista chileno o que lhe valeu o exílio.
A sua poesia,
numa primeira fase, inspira-se no romantismo extremo de Walt Whitman. Depois
vieram a experiência surrealista, influência de André Breton, e uma fase curta
bastante hermética. De qualquer modo, esta sua poesia marcou o século XX, em
todo o mundo e especialmente na América Latina e em Espanha. Nele é bem visível
a marca da época, como diz José Bento, seu tradutor, num texto do Jornal de Letras (7-20 de Jullho): A vida e a obra de Neruda são marcadas pelo
excesso: nasceu num país a que sempre esteve ligado com uma configuração
geográfica única; desde muito jovem até aos últimos dias conheceu o êxito como
poeta, expresso de todas as formas, desde a publicação de muitos livros ate
prémios que culminaram com o Nobel de 1971. Marxista e revolucionário,
cantou as angústias da Espanha de 1936 e a condição dos povos latino-americanos
e seus movimentos libertários. Destacam-se
entre outras as seguintes obras: "La canción de la fiesta",
"Crepusculario", "Veinte poemas de amor y una canción
desesperada", "Tentativa del hombre infinito", "Residencia
en la tierra" e "Oda a Stalingrado". Com a eleição de
Salvador Allende para Presidente da República é nomeado embaixador do Chile na
França. Morreu a 23 de setembro de 1973 em Santiago do Chile, oito dias após a
queda do Governo da Unidade Popular e da morte de Salvador Allende.
Escritor multifacetado e de
obra vasta, esta é muito desigual não só por ser extensa, mas porque o autor a
pôs ao serviço, frequentemente, de um combate político imediatista. Contudo
este facto não invalida a grandiosidade da obra daquele que foi um homem,
cidadão, diplomata, com uma vida rara e plena. Dessa vida deixou-nos as
memórias publicadas postumamente em “Confesso
que vivi” de onde respigamos o excerto que se segue, grande e bela
homenagem às palavras e ao seu valor.
A PALAVRA
...Tudo o que
você quiser, sim senhor, mas são as palavras que cantam, que sobem e descem...
Prostro-me diante delas... Amo-as, abraço-as, persigo-as, mordo-as,
derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que glutonamente se
amontoam, se espreitam, até que de súbito caem... Vocábulos amados... Brilham
como pedras de cores, saltam como irisados peixes, são espuma, fio, metal,
orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero pô-las a todas
no meu poema... Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descasco-as,
preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas,
vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E
então revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as,
liberto-as... Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de
madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas...
Tudo está na palavra... Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de
lugar, ou porque outra se sentou como um reizinho dentro de um frase que não a
esperava, mas que lhe obedeceu... Elas têm sombra, transparência, peso, pernas,
pêlos, têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de
tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes... São antiquíssimas e
recentíssimas... Vivem no féretro escondido e na flor que desponta... Que bom
idioma o meu, que boa língua herdámos dos torvos conquistadores... Andavam a
passo largo pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, em busca
de batatas, chouriços, feijões, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com
aquele voraz apetite que nunca mais se viu no mundo... Tudo engoliam,
juntamente com as religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que
traziam nas grandes bolsas... Por onde passavam ficava arrasada a terra... Mas
aos bárbaros caíam das botas, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como
pedrinhas, as palavras luminosas que ficaram aqui, resplandecentes... o idioma.
Ficámos a perder... Ficámos a ganhar... Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro...
Levaram tudo e deixaram-nos tudo... Deixaram-nos as palavras. (CONFESSO
QUE VIVI - MEMÓRIAS, PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, 2ª EDIÇÃO,
1979)
Gonçalves
Monteiro

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