domingo, 29 de março de 2020

LEITURAS CONTRA A CRISE (16) Moradas Ferreira em verso



Armando Moradas Ferreira foi médico veterinário e esteve ligado à Guarda por aqui ter exercido a sua atividade de veterinário municipal entre 1937 e 1941. Embora tenha nascido em Lisboa, o seu pai, Emídio Ferreira, era de Famalicão da Serra (Guarda). Armando Moradas Ferreira escreveu um único livro: “Moradas Ferreira em verso”, depois de muito instado a editar, sobretudo pelos escritores José Régio e Saul Dias, seus amigos. Este magnífico poeta encontrava-se no fim dos anos 60 com outros guardenses em tardes e serões no café Nova Iorque junto a Entrecampos (Lisboa). “Os da Guarda” eram um grupo que aí convivia, conversando, descomprimindo, protestando, rindo. António Queiroz e Luís Queiroz prosseguiram depois esses contactos nas noitadas na sua casa no Lumiar, com muita política e poesia de grandes autores e do próprio Moradas Ferreira. A edição surgiria depois em 1997 por iniciativa dos dois irmãos Queiroz e da empresa Marktest.
Se quiserem ler alguns poemas do autor, procurem no blogue Ponte Europa de Carlos Barroco Esperança, também ele ex-aluno do Liceu. A pequena biografia do autor, da autoria de António José Dias de Almeida, na revista Praça Velha nº 25, de julho 2009, é também um bom repositório de memórias e poemas de AMF. Aqui fica um dos poemas, para avaliarem:

POEIRA

Não é para que me leias,
Que verto neste papel
O sangue das minhas veias.
Se me leres, é coincidência.
É porque o destino impele,
Sem a minha conivência,
Por trilhos indesejados,
Estes versos mal rimados,
Letra por letra inspirados
Na raiva da tua ausência.

Escrevo não sei a quem,
Nem porquê nem com que fim.
Mas sinto que me faz bem,
Se a sós contigo converso,
Traindo o que vai em mim.
Gosto de escrever em verso,
P’ra mentir mais à vontade,
Para ocultar a verdade,
Que há por trás da tempestade
Em que a rimar me disperso.

Eu sei lá bem porque escrevo!
É talvez uma defesa.
Só escrevendo me atrevo
A vencer a timidez
Da minha eterna incerteza.
Vivo à mercê de um Talvez,
Que é talvez o desespero
De não saber o que quero
E forçado a ser zero,
À espera da minha vez.

E ao sabor da consonância,
Escrevo e não digo nada.
É um murmúrio à distância,
Uma vibração sem onda,
Uma mensagem cifrada.
É possível que eu me esconda,
Na poeira do que digo,
Só para não correr o perigo
De encontrar algum amigo,
Que me entenda e responda…

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