sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

MEMÓRIAS Ex-aluno do Liceu Luís Mário Cunha conta uma história com PIDES

 

Nós, a polícia e a PIDE nos anos 60

Recordo aqui um famoso julgamento em minha casa e que acabaria na Mata Municipal, altas horas da noite aos sons dos FRA's. Reunidos na mata com a obrigatória presença do "caloiro", fomos "assaltados" por uma brigada da PSP que, de metralhadoras em punho, nos levou para a esquadra. Os atores desse "filme de terror", fomos nós, obviamente, a PSP, 2 Pides, o Governador Civil e o Dr. Maurício Glória. Teve inclusivamente cenas de agressão: Eu próprio levei um coice na perna que inda hoje me dói! Fui acusado de ter saído da fila, para tentar escutar as perguntas do chefe e "passá-las" aos meus companheiros de maneira a sabermos o que cada um haveria de responder. O cenário era o corredor de acesso ao gabinete do Chefe e os malfeitores, nós, em fila indiana, à espera de sermos chamados 1 a 1, para o interrogatório. Acusação Geral: "Estávamos a dar vivas ao general Humberto Delgado".

Autor da acusação: um conhecido "bufo" que se pavoneava passeando pela cidade desde a Praça Velha até ao Sanatório e vice-versa. Onde houvesse estudantes de capa e batina lá estava o “mirone”. Vá lá que nunca entrou no reservado do Zé da Angelina, onde decorreram bastantes julgamentos. Em minha casa (1º. Andar), 4 (quatro) julgamentos, pelo menos!

Voltando ao gabinete do Chefe, com metralhadora sobre a secretária, tinha início o interrogatório: nome, morada, identificação do pai, identificação da mãe, profissão do pai, profissão da mãe e o mais que entendesse! De seguida, para mim:

- O que é para ti o Humberto Delgado?

E depois apontando para a fotografia do Salazar perguntava:

-E aquele ali, sabes quem é? Também lhe gritaste vivas?

Acusação agravada: “tinha saído da fila, para tentar escutar as perguntas do chefe e “passá-las” aos meus companheiros de maneira a sabermos o que cada um haveria de responder!”. Alguns de nós ficámos aflitos: um camarada nosso tinha sobre si um problema com a justiça no caso de alegada condução sem carta! O meu pai foi ameaçado de ser expulso da Função Pública, o que só não foi avante por influência do seu padrinho de casamento, o Dr. (veterinário) Maurício Glória. Na minha e noutras ruas mais problemáticas, como eles diziam, de quando em vez apareciam 2 "bufos" a fazer de conta que andavam a passear! E não têm conta o que se fartaram de chatear o Zé da Angelina, onde, no reservado, se fizeram, como disse, a maior parte dos julgamentos. Ele, o nosso querido amigo dos estudantes, sempre disponível a colaborar e a apoiar as nossas Festas Académicas! Por fim, até achava graça, pois alguns dos “bufos” passaram a ser seus clientes!

Ordens superiores: podíamos andar nas ruas, até às 22 horas, mas em grupo nunca superior a 4. Quanto aos cafés, algumas das reuniões aconteciam na Madrilena (pastelaria) onde viemos mais tarde a saber que um sujeito, antigo estudante do Liceu, que namorava lá creio que uma funcionária, estava sempre encostado à vitrina que dá para a rua da Polícia. Era "informador" da Pide. Foi lá que combinámos o “o evento” e o local do julgamento! Terá escutado, eles que tinham ouvidos de tísico, e passado ao “denunciante”?. Em resumo, apenas fomos comemorar, depois do referido julgamento com o indispensável garrafão e bolos que o Zé da Angelina nos tinha oferecido, tanta e tanta vez, para além dos que lhe surripiámos! E como ele gostava de nos contar anedotas! Enquanto uns o escutavam, outros, a coberto das capas, saíam com o garrafão e, de quando em vez, com uma garrafita de jeropiga! Por fim o Governador Civil a quem, em grupo, fomos solicitar o especial favor de fazer com que a PSP não avançasse com a queixa sobre o “ignóbil crime” cometido.

Outras “Saídas Noturnas” a merecerem destaque: - A Dança das Galinhas Tontas. Um alfinete espetado na cabeça dos pobres bichos e começava a dança! Pobres donos: "Levem-nas e enterrem-nas bem longe daqui!". O gozo que esse e outros assaltos nos davam! O maior de todos aconteceu no Carvalhal Meão bem perto das 4 da matina! Outro, foi no Sabugal! Na Guarda, cresceu a vigilância! De todo impossível! Boa noite! Boa continuação!

Luís Mário Cunha

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