No âmbito do Dia Mundial da Poesia e da Árvore, teve lugar no Estabelecimento Prisional da Guarda um concurso de Poesia, Prosa e Desenho com o tema "Comece... Recomece... Permita-se". O primeiro prémio em prosa foi de Sérgio Barbosa.
Começa
certamente o seu dia como milhões de nós. Acorda, toma o pequeno-almoço
enquanto vê as notícias, que acha já tão repetitivas, embora relatem a
ocorrência de uma grande tragédia. Sai de casa, no caminho para o trabalho nada
mudou, tudo permanece inalterado. A rua de sempre, a mesma casa degradada, os mesmos
buracos na estrada, o mesmo prédio com rabiscos na parede lateral. Muitas ou
todas estas coisas já nem chamam a sua atenção. Passam até despercebidamente.
Confirma-se,
você é mais uma vítima do “sistema social comum”. A sua vida gira em torno da
sua rotina quotidiana. O seu ser foi formatado para guardar toda a energia,
toda a sua atenção somente para o realmente importante. Vê o mundo com os olhos
de um ser responsável. Foca-se nas suas tantas responsabilidades. Não há nada
de errado nisso. Mesmo assim, às vezes, sente um vazio. Falta-lhe alguma coisa?
A resposta só você a conhece. Se a quer encontrar…
Comece…
Por
se olhar ao espelho. Não se foque na imagem refletida, aquela que todos veem.
Essa imagem é fria, desprovida de emoção. Pode ser até captada por qualquer
objetiva de um aparelho qualquer, sem alma nem coração. Não é esta a imagem que
procura. Foque-se no seu olhar, nos seus próprios olhos, porque, dizem, “são o
espelho da alma”. O que vê? Quanto se perdeu no seu processo de maturação?
Recorde
a sua juventude.
Lembre-se
de como via o mundo, com os mesmos olhos de agora, mas que viam tudo diferente.
Relembre
que, quando era relatada uma notícia triste, tal como a fome das crianças, o seu
coração chorava. Falava. Ele dizia-lhe: “Tu podes! Tens de fazer alguma coisa!
Algum dia vais mudar o mundo para melhor!”
Lembra-se
dessa emoção? Da paixão de querer, um dia, ser um herói que alivia o sofrimento
de alguém?
Essa
emoção ainda existe, está apenas adormecida, esmagada entre o peso do dia a dia,
e ”o que posso eu fazer? Sou simplesmente um só”. Procure-a. Encontre aquilo a que chamo
“essência pura humana”, que é quando os nossos olhos, ainda sem ruído ou
contaminação, viam o mundo através do coração. Resgate essa emoção. Esta pode ser a
hora.
Recomece…
A partir desse momento. Quando ainda via mais do que
apenas imagens. Quando via emoções.
(Des)construa todo o seu ser. Desmonte tudo o que
soterrou, esse olhar, essa paixão.
Chegue até aos alicerces do seu “eu sou”, quando
eram ainda sólidos, assentes em bons valores.
Recomece construindo-se, mas não apenas em ideia ou
em pensamento. Recomece agindo. Comece pelo olhar, a sua forma de ver o mundo.
Agora, pela manhã, antes de sair para o trabalho,
preste atenção à notícia. Que poderia ter sido feito para que fosse evitada?
Está de novo na rua, veja mais do que a estrada.
Olhe, por exemplo, o prédio com rabiscos na fachada. Quem os terá rabiscado?
Porque terá perdido o seu tempo fazendo tantos rabiscos que desfeiam a parede?
Veja, agora, com emoção. Tente sentir a paixão
procurando uma razão. Veja de
outra perspetiva.
Dê a volta à imagem…
O
artista não perdeu o seu tempo. Ele deu o seu contributo fazendo o que sabia, o
que estava ao seu alcance.
É
o rosto de um idoso! Mas porque é que o desenhou ali? Repare na seta. Para onde
aponta? Nota a falta de alguma coisa?
Agora,
que vê com olhos e coração… sabe o porquê da questão.
O
artista chamava a sua atenção para um senhor idoso que ali dormia no chão. Sem
abrigo ou algum amigo!
Não
se preocupe. Graças ao contributo de “um só”, outro antes de si despertou. Ali
passou e o levou, lhe deu abrigo e o salvou.
Desta
vez, você esteve quase…
Vai
existir uma próxima.
Permita-se…
Simplesmente,
na próxima vez que alguém precisar e você possa ajudar…
Permita alegrar-se. Encher o seu ser com o conforto, reconforto se quiser. Premeie o seu belo “eu”, volte a sentir a paixão, com a bela emoção… de ser o primeiro a chegar.
“Não
sou artista. Não possuo dotes nem dons que possa usar para melhorar o mundo.
Não sei desenhar, nem pintar… não sou herói, nem político.
Gostava
apenas que este humilde texto fosse entendido como os meus rabiscos na parede.”
Sérgio Barbosa
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