O
meu 25 de ABRIL de 1974
Em 1973/74 Carlos Almeida tinha 18 anos e era o Aluno nº 43 da turma IV do 7º ano do Liceu Nacional da Guarda.
Hoje é Diretor do Agrupamento de Escolas de Peniche. Aqui fica o seu testemunho sobre aquele dia.
Nessa
quinta-feira, saí de casa para ir para o Liceu (hoje Escola Secundária Afonso
Albuquerque, na cidade da Guarda), onde era aluno finalista, do 7º ano,
portanto. Entrava às 8:30 h. Pelo caminho encontrei o Daniel Janela que me
informou que tinha ouvido umas coisas e “em Lisboa havia novidades”. O Daniel
Janela era dos rapazes que, naquele tempo, mais sabia destas coisas.
No
Liceu havia informações contraditórias. Ao meio-dia e meia hora, quando fui
almoçar, já a esperança era maior. Pouco depois de contornar o quartel, já na
descida para o Bonfim, fiquei parado a ver passar os carros militares que
transportavam tropas. Era fácil de perceber que iam na direção da fronteira, em
Vilar Formoso.
Numa
das aulas da tarde, uma professora ainda tinha esperanças, porque “ele”
(Marcelo Caetano) ainda não se tinha rendido. As esperanças da professora eram
o meu receio.
Só
à noite, depois de horas a “dar música”, a RTP (a preto e branco) apresentava
ao país a Junta de Salvação Nacional. O jornalista de serviço era o Fialho
Gouveia. O homem forte da JSN era o General António de Spínola que liderava um
grupo de 7 militares (só apareceram 6, porque um, salvo erro Diogo Neto, estava
em Angola). Era a certeza! Havia uma revolução em Portugal! Sensação tão
estranhamente feliz. Feliz, porque SIM. Estranha, porque Portugal era um país
de “brandos costumes” e havia uma monotonia nos dias iguais…
Na
véspera o meu Sporting perdera em Magdeburgo por 2-1 para a Taça das Taças. Era
a 2ª mão das meias-finais. O 2-2 servia, mas Tomé falhou um golo quase no fim.
Vi esse com raiva e um fino no Caçador…
No
dia 26 fomos para o Liceu e não houve aulas, pelo menos para nós. Juntámo-nos
aos colegas do Colégio de São José e da então Escola Comercial e Industrial e
começaram as manifestações espontâneas. De todo o lado aparecia gente. Gente
feliz. “Grândola, Vila Morena” e o Hino Nacional eram cantados, por toda a
cidade.
Eu
tinha 18 anos feitos, a maioria dos meus colegas tinha 17/16 anos. A maioridade
era atingida aos 21 anos! A escolaridade obrigatória passara dos 4 anos (a 4ª
classe que era a meta obrigatória quando ingressei na Escola Primária) para os
8 anos, por reforma do último ministro da Educação antes do 25 de ABRIL, Veiga
Simão, natural do distrito da Guarda. Essa reforma começada em 1973 foi
interrompida e a escolaridade obrigatória nunca chegou a ser de oito anos na
prática. Passou para o 9º ano, antigo 5º ano do Liceu. Depois, mais tarde, o 9º
e agora o 12º…
E
que fazia um jovem de 18 anos, naquele tempo? Eu jogava futebol federado, desde
os 16 anos, Com essa idade integrei a equipa do Grupo Desportivo de Vila Nova
de Foz-Côa. Em 1974 representava a equipa de Manteigas. Também jogava andebol,
no desporto escolar, pelo Liceu.
Ouvia
música – Beatles, Moustaki, Fanhais (para abranger leque mais variado) e até um
professor do Liceu da Guarda, António Macedo, autor da canção “Canta canta
amigo canta/ vem cantar a nossa canção/ tu sozinho não és nada/ juntos temos o
mundo na mão”. Brel, Aznavour, Gigliola Cinquenti, Chico Buarque, Zeca Afonso…
Ia
ao cinema, muito de vez em quando. Recordo o êxito que foi na Guarda, com filas
enormes para adquirir bilhetes para ver Terence Hill e Bud Spencer em “Trinitá,
o Cow-boy insolente”… Sabíamos que “lá fora” era possível ver um filme de
Bertolucci, “O Último Tango em Paris” com Maria Schneider e Marlon Brando. Esse
filme estava proibido em Portugal.
Lia.
Lia muito. Eça, Aquilino, Camilo, Bocage (às escondidas),
Jorge Amado, Machado de Assis, Albert Camus, Sartre, Steinbeck, Moravia,
Tostoi, Gorki, Flaubert, Zola, Georges Simenon (por causa do Maigret)…
E
a Guarda já tinha um Supermercado! Era o Prolar, no edifício com o mesmo nome.
A surpresa que foi ir às compras e não ter que pedir os produtos ao balcão!
Passaram
40 anos. Demasiado depressa. Mas retenho de ABRIL duas imagens fortes, para lá
das manifestações: a maneira gentil, sorridente e simpática com que descobrimos
nas mesmas pessoas outras pessoas e o modo como a Primavera passou a ter outros
cheiros, outras cores e outros sons…
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