Nas próximas semanas vamos publicar algumas impressões de leitura de Vergílio Ferreira. Começamos hoje com o fantástico "Para Sempre", de 1982. Quem escreve é a professora Daniela Daniel, da Escola Básica de Santa Clara. Vamos ler as obras de Vergílio Ferreira?
PARA
SEMPRE
Para
Sempre é um hino ao amor: amor à mãe, às tias, a Sandra, a Xana
e a certos momentos da própria vida; amor a todos aqueles que já partiram, amor
a tudo o que passou e jamais voltará.
Contudo, amar é uma tarefa
árdua que nos desilude constantemente dada a complexidade e a imperfeição dos
seres amados, tão imperfeitos que tentam moldar-nos à sua imagem, nos fazem
sentir eternamente culpados e acabam por nos abandonar. O pai partiu, a mãe
sentiu-se no direito de enlouquecer, as tias demonstravam a afeição que lhe
tinham de uma forma bizarra, Sandra fora o seu amor de pedra e até a filha,
Xana, o trocara por um negro.
O que resta agora a Paulo,
personagem principal deste romance, enquanto aguarda a morte e luta
incessantemente contra o envelhecimento, a solidão e o sofrimento? Regressar à
terra natal, preparar-se para o fim, tentar inventar um futuro, recordar o
passado e reinventá-lo para o tornar mais semelhante ao idealizado e se sentir
menos só.
Paulo trava diálogos mudos
consigo e com os que mais amou tentando desesperadamente recordar as últimas
palavras com que o brindaram na esperança de conseguir compreendê-los melhor e
apaziguar a dor da sua ausência. Busca incansavelmente a palavra essencial, aquela
que ainda poderia dar algum sentido à vida que lhe resta, que a poderia tornar
mais calma ou harmoniosa, mas as cenas que constantemente evoca surgem-lhe
mudas:
“-
Do asilo mandaram-nos avisar. Fomos as tias e eu, estava a chover, não te
lembras? A mãe estava na cama, chamou-me à cabeceira. Depois disse-me uma coisa
que não entendi. Tu sabes o que foi? (…)
Quando
me reconheceu, os lábios começaram a encrespar-se-lhe num sorriso, as gengivas
todas, num riso sem som. Depois fez-me sinal, eu aproximei-me, o ouvido
encostado à boca.
-Tu
sabes o que foi que ela disse?” (1987: 19)
Para seu grande sofrimento,
as únicas palavras que lhe ocorrem são as ocas e superficiais. Revive todos os
momentos cruciais da sua existência com precisão, especialmente os mais
sofridos, mas apenas recorda o silêncio em vez da palavra de esperança e de
conforto, sendo a procura da mesma uma constante e o fio condutor deste
romance.
Paulo tenta preparar-se para
a morte mas a solidão e o abandono que sente martirizam-no. O silêncio é atroz
e apenas cortado pelos clamores que se ouvem ao longe nos campos, assim como
pela música que ondeia no ar. A única que o não abandonou foi a voz da terra:
«Vem do fundo das leiras, talvez de
baixo, da ribeira, abre-se à amplidão do espaço – canta, quem és? (…) Pelo
infinito dos milénios, a tua voz pura. “Foi o sol e mais a lua”- na tarde
imensa da minha solidão. Oh, não sofras» (1987: 37).
E essa voz canta ao longe, recordando
e reinventando momentos felizes, num doce chamamento para junto dos que mais
amou.
Daniela Daniel
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