O
AUTO DA BARCA DO INFERNO
VERSÃO
2.0
(pelos alunos do 9º E)
CENA
1 – O PARVO
Chega homem de meia-idade, com um
sorriso nos lábios. Veste roupas velhas e desgastadas e um colete muito acima
do seu tamanho; usa calções, apesar de ser inverno; na cabeça, um chapéu de
três pontas coloridas; vêem-se umas meias aos losangos, também elas muito
coloridas; nos pés, traz umas botas em bico.
Dirige-se, sem saber como nem
porquê, à Barca do Inferno.
Parvo – Hola! Ho! Ó da Barca! Há
alguém aqui?
Diabo – (com ar de desdém) Olá, seu idiota. O que é que queres
daqui?
Parvo – Quero entrar, claro: parece-me
este barco muito bom. Precisa de uns arranjinhos, mas… desde que não contes
comigo para os fazer, tá-se bem.
Diabo – Para isso era preciso que eu
te deixasse entrar! Olha lá, de que é que morreste? Foi a tua mãe? Não te quis
ver mais à frente dela e despachou-te?
Parvo – Calma aí, seu cornudo! Não
falas mal da minha mãe, hein? Eu parto-te esses cornos tão bem arranjados
enquanto o Diabo esfrega um olho!
Diabo – Eu???!!! Eu não esfrego olho
nenhum! Tenho os dois bem abertos e não te quero aqui: dás mau aspeto ao meu
liiinnndo barco!
Parvo – Lindo! Dizes que tens os olhos
bem abertos, mas parece que não vês um cu: onde é que está a lindeza dessa
espelunca: parece-me que é grande, mas não é grande coisa…
Diabo – Como te atreves a falar mal
deste meu barco de cruzeiro, que muito brevemente estará cheio de passageiros?
Olha lá, mas afinal de que é que morreste?
Parvo – Eu?! Eu morri?! Para além de
cegueta, deves estar parvo! Não se vê que estou Vivinho da Silva? Ah! Ah! Ah!
Acabei de te dizer a minha graça e nem deste conta, ó chifrudo!
Diabo – Bem me parecia que eras parvo,
mas deves ser mesmo muuuiiito parvo: achas que, se não tivesses morrido,
estavas aqui, no teu juízo final? Vá, diz lá: morreste de quê?
Parvo – (olhando à sua volta) Será mesmo verdade? Bem, se calhar
é! (voltando-se para o Diabo)
Olha, deu-me uma dor de barriga tamanha que me desfiz todo: foi uma caganeira
de caixão à cova…
Diabo – Em sentido literal!
Parvo – Mas eu preciso de entrar no
barco: até porque esta caganeira ainda não me passou (apertando a barriga): preciso de arriar o calhau outra
vez!
Diabo – Pronto, entra lá, antes que o
faças aí mesmo e me estragues o negócio. Talvez se arranje qualquer coisa para
tu fazeres: quanto mais não seja, limpares a trampa que todos fizerem!
Parvo – Tu ‘tás parvo e o burro sou
eu? Tá-se mesmo a ver, seu filho de uma grande vaca, cornudo e cegueta, filho
de uma grande cabra, renegado pelo pai e pelo filho. A tua mãe não morreu de
desgosto por ter um filho assim, tão cabrão e feioso, malformado e mal vestido,
sem maneiras nem escrúpulos? Cabeçudo e desonrado, puta que te pariu! Mijado e
cagado! És tão feio que pareces uma bosta de vaca, mas deves é ser a cara da
tua mãe.
Diabo – Cala-te imediatamente, antes
que me arrependa de te dizer para entrares: parece que nem para limpar trampa
serves!
Parvo – Vá de retro, Satanás! Deus me
protegerá!
Ao ouvir o nome de Deus, o Diabo
foge, a correr, para dentro da sua Barca. O Parvo dirige-se para a Barca do
Anjo, que o espera.
Parvo – Ó da Barca!
Anjo – Que me queres?
Parvo – Quero que me leves para o Céu,
que aquele cabeçudo, cornudo e filho de uma grande vaca já me queria enganar! E
não te preocupes: acho que a caganeira que me matou e que estava a voltar já
fugiu, com medo do cabrão!
Anjo – Olha os modos! Atenção à
linguagem, que aqui não se permitem palavrões nem insultos! Quem és tu?
Parvo – (apontando para o Céu) Ninguém! A minha mãe não me quis, o
meu pai fugiu de mim, irmãos, não sei se tenho, na rua toda a gente gozava
comigo… Nunca percebi porque é que não viam mais do que um parvo quando olhavam
para mim! Eu, que sou tão in-te-li-gen-te!
Anjo – Está bem, até podes vir a
entrar na minha Barca. Mais do que pobre em roupas, és pobre de espírito. Os
pecados que praticaste, não foram por culpa tua: estavam na tua natureza e na
tua ingenuidade. E Cristo disse: “Felizes os pobres de espírito, porque deles é
o reino dos Céus”! Mas, por agora, fica aí! Quando já estiverem todos os
passageiros e pudermos partir, entrarás.
O Parvo fica no Cais, encostado à
Barca, a olhar atentamente à sua volta, esperando a chegada de novos passageiros.
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