terça-feira, 12 de maio de 2020

AUTO DA BARCA DO INFERNO VERSÃO 2.0 (6) A cena 5

AUTO DA BARCA DO INFERNO
VERSÃO 2.0
(pelos alunos do 9º E)

CENA 5 - EX-PRIMEIRO MINISTRO

Entra um Ex-Primeiro-Ministro. Usa fato e gravata. Traz uma mala de executivo numa mão e vários exemplares de um livro debaixo do braço. Na outra mão, um telemóvel.
Para junto à Barca do Inferno…
Ex-Primeiro-Ministro – O que é que faço aqui? Onde estou e quem és tu?
Diabo – Eu sou o dono da Barca parra onde vais, que ali Aquele (aponta para o Anjo) não te quer.
Ex-Primeiro-Ministro – (mostrando arrogância) Não me vai querer!!Vamos ver isso!!!...
O Ex-Primeiro-Ministro vai até à Barca do Anjo. Este recebe-o com três pedras na mão…
Anjo – O que é que pensas que estás aqui a fazer? Deves estar a ver mal, só pode! Aqui não entras de certeza!
Ex-Primeiro-Ministro – Mas porquê? Eu construí tantos prédios para melhorar as condições da população! Aumentei o salário mínimo! Fiz obras em tantas escolas…
Parvo – E os milhões que meteste ao bolso? Então, ficaste sem fala? Olha que as verdades vêm sempre ao de cima!
Anjo – É, tudo o que fizeste está envolto em contradições e polémicas reais e isso basta para que não entres aqui.
Ex-Primeiro-Ministro – Mas quais milhões? Eu vivia bem, sim, mas porque tinha um grande amigo que me dava, desculpe, emprestava o dinheiro e porque a minha mãe, ainda por cima, recebeu uma herança de cinco milhões de euros.
Parvo – Ai! Como eu gostava de ter tido amigos assim, tão riquinhos!!!
Ex-Primeiro-Ministro – Para além do mais, eu ia sempre à missa, rezava e dava esmolas a muita gente!
Parvo – Sim, sim, e quanto mais rezavas, mais roubavas! Era o melhor que sabias fazer!
Anjo – E como é que ficaram os processos contra ti em tribunal? Morreste antes de teres a resposta, não foi? Pois eu sei qual seria: a condenação! E acredita que a condenação terrena era melhor do que esta condenação que tens, agora, ao Batel infernal!
Ex-Primeiro-Ministro – Mas eu sempre fui honesto (engasga-se) e sempre fiz tudo pelo povo que governei. Eles é que foram uns mal-agradecidos, que não souberam ver todo o bem que fiz e me acusaram, injustamente, de tantos crimes!
Anjo – E o que é que trazes debaixo do braço?
Ex-Primeiro Ministro – São livros, Anjo, são livros.
Parvo – Agora quase parecias a Rainha Santa Isabel: “São rosas, Senhor, são rosas”! Realmente, um dia qualquer, canonizam-te…
Ex-Primeiro-Ministro – Cale-se, seu parvo, que a conversa ainda não chegou aí: se quer falar comigo, faça o favor de marcar uma audiência. E já lhe digo que vou estar demasiado ocupado para o receber!
Parvo – E eu lá queria uma audiência? Ainda apanhava algum vírus na cadeira e voltava-me a caganeira!!!… Nã, nã, nã…
Ex-Primeiro Ministro – (voltando a dirigir-se ao Anjo) Sr. Anjo, estes livros são exemplares do que que eu escrevi e publiquei. Venderam-se todos, exceto estes que aqui trago para oferecer a quem queira cultivar-se um pouco mais.
Parvo – (interrompendo-o) Esses e todos os que tens na garagem do teu avô! Compraste-os todos, não foi? Para pareceres um escritor de primeira… de primeira… de primeira merda… Esse livro parece um conto de fadas. E tu deves ser o príncipe!!!…
Ex-Primeiro-Ministro – (continuando como se nada fosse) Olhe que é um livro muito bom, muito bem escrito! Aproveite, leia um bocadinho e vai ver que não consegue parar. Além disso, este livro prova que sempre fui boa pessoa, que fiz muito pelo meu país…
Parvo – (interrompendo-o) … e pelo teu bolso!
Ex-Primeiro-Ministro – (continuando como se nada fosse) … e que fui muito injustiçado pelos meus compatriotas!!!
Anjo – Não me convences da tua inocência, como não convenceste ninguém em vida. Esta Barca não é para ti: não fizeste ações dignas de aqui entrares. Vai ter ali com aquele (apontando para o Diabo), que tem muito espaço para te levar.
Ex-Primeiro-Ministro – Sempre me disseram que sou muito bem-falante e que consigo convencer toda a gente do que quero: o que é que posso dizer para o convencer desta minha verdade?
Anjo – Nada! Mesmo nada! Vai ter com aquele que tem espaço para ti, para a tua pasta e para os teus valiosos livros: pode ser que encontres quem os queira ler e a quem os possas oferecer.
Enquanto o Ex-Primeiro Ministro se dirige para a Barca infernal, o Diabo, que ouvia a conversa, intervém:
Diabo – Não quero ver essa porcaria de livro! Mas podes levar os exemplares que aí trazes: nesta minha Barca, cabe toda a mentira, toda a deslealdade, toda a intrujice. Por isso, também cabem os teus livros.
Anjo – Pela primeira vez nas nossas longas vidas, concordo!
Ex-Primeiro-Ministro – Mas… É o melhor livro do mercado!!! Tenho a certeza de que alguém o vai querer ler. Quem mais é que já entrou nessa Barca? Pode ser que o consiga impingir a alguém…
Parvo – (aos saltinhos e a rir-se) Experimenta o Mecânico: pode ser que ele esteja interessado na trampa do teu livro. Até porque é um homem que gosta muito de ler… os calendários na parede!!!... Ah! Ah! Ah!
Ex-Primeiro-Ministro – Que triste fado o meu: incompreendido em vida e condenado na morte!
Diabo – Cala-te e entra na Barca: temos muito caminho pela frente! Prepara-te para remar: (com ironia) como fazias jogging todos os dias, deves estar em boa forma!!!...

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