quinta-feira, 17 de abril de 2014

25 de abril 40 anos - 19 - Alina Louro e o seu 25 de abril


25 de abril de 1974 …
Ganhei ou perdi a Liberdade?

por Alina Louro*
Não sei se me recordo do dia 25 de abril de 1974. As recordações devem estar misturadas com as fotografias e os relatos daqueles que comigo viveram a revolução. Contudo, costumo dizer que me recordo das cores, dos aromas e da música. Recordo essencialmente a mudança que marcou, definitivamente a minha vida. Recordo o roubo de uma liberdade: a minha.
O 25 de abril de 1974 não foi apenas sentido por aqueles que viviam em Portugal, em condições menos boas. Foi, também, sentido por outros, como eu, que viviam nas antigas colónias e cujas vidas sofreram alterações profundas e definitivas. Essas pessoas raramente são salientadas.
Até março de 1974 vivia em Moçambique, mais propriamente na Zambézia numa ilha chamada Vila Valdez. Na minha terra cheirava a chã, a terra com ferro, a água de coco e a marisco. Havia calor, cavalos, palmeiras e areia para brincar. Os meus pais liam livros, ouviam grafonola, viam cinema numa tela que era um lençol branco, davam muitas festas em casa, recebiam muitos amigos e riam-se muito. A maioria das viagens que faziam eram aéreas, no helicóptero da Companhia de Chã Li Cungo. Também se passeava muito de almadia. A morte era “celebrada” com músicas e “danças” que duravam a noite toda. Ao outro dia, ninguém ia trabalhar e muitos trabalhadores eram castigados por isso. Havia um “muro” que separava o meu mundo do mundo dos outros meninos da Zambézia. Era a única menina branca da ilha onde morava. Penso que a palavra igualdade não tinha o significado que tem hoje! Pensando bem, havia trabalho infantil na minha casa. Porque eram, afinal, as crianças obrigadas a contarem para mim e andarem comigo ao colo? Se tivesse crescido ali, teria alterado isso!
Em Moçambique não se ouvia falar da possibilidade de acontecer uma revolução em Portugal, havia um certo secretismo sobre o assunto. Muitos foram apanhados desprevenidos.
No dia 25 de abril de 1974 estava de férias em Portugal, vim conhecer os meus avós maternos. Lembro-me de breves notícias na rádio, da alegria do meu avô materno e da preocupação dos meus pais. A casa dos meus avós encheu-se de gente para ouvirem, na rádio, as notícias sobre a revolução. O vestuário da época era em tons escuros, muitas mulheres usavam lenço na cabeça e havia muitos homens de chapéu. Era estranho ver pessoas fazerem as necessidades na rua, descascarem laranjas/bananas com as mãos, comerem apenas com o garfo (na mão direita) e raramente beberem sumo. Todas as crianças tinham medo da polícia … eu nunca tinha ouvido falar da polícia. Em poucos dias a minha vida sofreu uma alteração profunda, a casa dos meus pais em Moçambique foi destruída, assim como uma boa parte das plantações de chã. As contas bancárias haviam sido canceladas e as viagens impossibilitadas. A duração das minhas férias tinha aumentado.
25 de Abril de 74 é sinónimo de liberdade? Que liberdade é essa que rouba infâncias e destrói vidas? Que liberdade é essa que destrói sonhos e altera percursos? Gostava que um Dia as minhas férias acabassem e num passo de magia voltasse a pertencer ao meu Lugar.
*professora na ESAAG

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