25 de abril de 1974 …
Ganhei ou perdi
a Liberdade?
por
Alina Louro*
Não sei se me recordo do dia 25 de abril de 1974. As
recordações devem estar misturadas com as fotografias e os relatos daqueles que
comigo viveram a revolução. Contudo, costumo dizer que me recordo das cores,
dos aromas e da música. Recordo essencialmente a mudança que marcou,
definitivamente a minha vida. Recordo o roubo de uma liberdade: a minha.
O 25 de abril de 1974 não foi apenas sentido por
aqueles que viviam em Portugal, em condições menos boas. Foi, também, sentido
por outros, como eu, que viviam nas antigas colónias e cujas vidas sofreram
alterações profundas e definitivas. Essas pessoas raramente são salientadas.
Até março de 1974 vivia em Moçambique, mais
propriamente na Zambézia numa ilha chamada Vila Valdez. Na minha terra cheirava
a chã, a terra com ferro, a água de coco e a marisco. Havia calor, cavalos,
palmeiras e areia para brincar. Os meus pais liam livros, ouviam grafonola, viam cinema numa
tela que era um lençol branco, davam muitas festas em casa, recebiam muitos
amigos e riam-se muito. A maioria das viagens que faziam eram aéreas, no
helicóptero da Companhia de Chã Li Cungo.
Também se passeava muito de almadia. A morte era “celebrada” com músicas e
“danças” que duravam a noite toda. Ao outro dia, ninguém ia trabalhar e muitos
trabalhadores eram castigados por isso. Havia um “muro” que separava o meu
mundo do mundo dos outros meninos da Zambézia. Era a única menina branca da
ilha onde morava. Penso que a palavra igualdade não tinha o significado que tem
hoje! Pensando bem, havia trabalho infantil na minha casa. Porque eram, afinal,
as crianças obrigadas a contarem para mim e andarem comigo ao colo? Se tivesse
crescido ali, teria alterado isso!
Em Moçambique não se ouvia falar da possibilidade de
acontecer uma revolução em Portugal, havia um certo secretismo sobre o assunto.
Muitos foram apanhados desprevenidos.
No dia 25 de abril de 1974 estava de férias em
Portugal, vim conhecer os meus avós maternos. Lembro-me de breves notícias na
rádio, da alegria do meu avô materno e da preocupação dos meus pais. A casa dos
meus avós encheu-se de gente para ouvirem, na rádio, as notícias sobre a
revolução. O vestuário da época era em tons escuros, muitas mulheres usavam
lenço na cabeça e havia muitos homens de chapéu. Era estranho ver pessoas
fazerem as necessidades na rua, descascarem laranjas/bananas com as mãos,
comerem apenas com o garfo (na mão direita) e raramente beberem sumo. Todas as
crianças tinham medo da polícia … eu nunca tinha ouvido falar da polícia. Em
poucos dias a minha vida sofreu uma alteração profunda, a casa dos meus pais em
Moçambique foi destruída, assim como uma boa parte das plantações de chã. As
contas bancárias haviam sido canceladas e as viagens impossibilitadas. A
duração das minhas férias tinha aumentado.
25 de Abril de 74 é sinónimo de liberdade? Que
liberdade é essa que rouba infâncias e destrói vidas? Que liberdade é essa que
destrói sonhos e altera percursos? Gostava que um Dia as minhas férias
acabassem e num passo de magia voltasse a pertencer ao meu Lugar.
*professora na ESAAG
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