VERSÃO 2.0
(pelos alunos do 9º E)
CENA 6 - PRESIDENTE DE UMA MULTINACIONAL
Entra
o Presidente da multinacional ANDACÁ.COME.
Usa sapatos e fato italiano, colete e gravata e traz o volante de um carro topo
de gama na mão direita, uma pasta de executivo e um telemóvel de última geração
na mão esquerda. Dentro do bolso do casaco, nota-se que traz uma grande
carteira, bem recheada.
Quando entra, o Diabo dirige-se-lhe, com ar de gozo:
Diabo
– Vejam quem é ele!!!
Presidente
– O que é que aconteceu?
Diabo
– Não te lembras?
Parvo
– Bateste com a cabeça no penico!!!
Presidente
– Não me lembro de muito. Só que ia com o meu Ferrari a 200 km/h, na
autoestrada, quando me despistei e fui contra o raile.
Parvo
– É no que dá ires ao telemóvel com a amante!!!
Diabo
– Caro Presidente, foi isso mesmo que aconteceu. Entre, entre nesta minha humilde
Barca: não tem as condições a que Vossa Excelência está habituado, mas serve
perfeitamente para a sua viagem.
Presidente
– Como não tem as condições? Eu só viajo em primeira classe, seja de carro, de
avião ou de barco!!!… Recuso-me a viajar em classe económica! Mas, afinal, para
onde é que vai esta Barca?
Diabo
– Vai para o quentinho do Inferno! E Vossa Excelência tem lá o seu escritório
montado, com todas as comodidades.
Presidente
– Nem pensar! Um grande Presidente como eu tem que ter lugar no Céu!
Parvo
– (aparte, revirando os olhos) Coitadinho! Como é presumido, o figurão!
Olha lá, não te lembras do que fizeste na tua “graaannnde empresa”?
Presidente
– Claro que me lembro, ó imbecil! Mesmo que não tenhas nada a ver com isso,
vou-te responder: dei emprego a muita gente, fiz grandes promoções nos meus
hipermercados…
Diabo
– (Muda a forma de tratamento, já irritado com as desculpas do Presidente)
Isso é verdade. Mas quanto é que ganhaste com isso?
Presidente
– Claro que ganhei muito dinheiro. Tanto que o espalhei por contas em vários
paraísos fiscais. Mas o objetivo dos empresários de sucesso não é ganhar
dinheiro? Foi isso que fiz: consegui uma boa vida para mim e para os meus!
Diabo
– Claro: para ti, para os teus e para as tuas… “amigas coloridas”, não foi?
Presidente
– E um homem não pode ir variando? Achas que, podendo comer pratos diferentes
todos os meses, ia querer sempre o mesmo? Mas a minha mulher sabia e nunca se
queixou: ela também gostava da boa vida que eu lhe dava!
Parvo
– Gostava tanto que também variava os pratos que comia!!!
Presidente
– (virando-se para o Parvo) O quê? Como te atreves, ó parvalhão? (o
Parvo revira os olhos e dá um salto para trás, com medo) A minha mulher
sempre me foi fiel!
Diabo
– Achavas tu! Mas fartou-se de rir depois de saber da tua morte! Chorou
lágrimas de crocodilo no teu funeral! E apoiou-se muito naquele que lhe
proporcionava uma boa “forma física”!
Presidente
– Não é possível! Não acredito! Posso-lhe fazer uma videochamada para veres
como ela está chorosa, destroçada, desgraçada…
Parvo
– Desgraçadamente feliz, nos braços do seu personal trainer…
Diabo
– Não precisas da videochamada: eu próprio, que vejo tudo o que se passa lá em
baixo, to garanto. Olha que ela é mesmo uma boa atriz: ninguém diria, no teu
funeral, que não estava muito infeliz. Mas o teu contabilista e a tua
seguradora já andam às voltas com o dinheiro que espalhaste e que ela há de
gozar!
Presidente
– Como posso ter andado tão enganado? Mas, fiel ou não à minha mulher, fui uma
boa pessoa e um grande empresário.
Diabo
– Claro, muito grande! E como todos os grandes, fugiste ao fisco, pagaste pouco
aos fornecedores, exploraste os teus funcionários, trataste-os mal, não foi,
meu irmão?
Presidente
(exaltado) – Nunca! Nunca os tratei mal! Sempre lhes paguei a tempo e
sempre gozaram férias!
Diabo
– Claro, mas nunca te preocupaste com as suas famílias. Obrigava-los a
trabalhar mais do que o devido e nunca pagaste horas extraordinárias. Até eles
ficaram contentes com a tua morte!
Presidente
– Podes até ter razão, mas como eu posso pagar o bilhete na outra Barca, vou
até lá: tenho a certeza de que não me vão recusar a entrada.
Diabo
– Vai, vai, que logo voltas!
Dirige-se
o Presidente para a Barca da Glória e diz:
Presidente
– Ó da Barca! Posso entrar?
Anjo
– Não, aqui não entrarás. Vai para a Barca do teu irmão, aquele com quem
estavas, agora mesmo, à conversa: terão muitos interesses em comum. Lá, é o teu
lugar!
Presidente
– Mas eu quero ir para o Paraíso!
Anjo
– Só entra nesta Barca quem fez o bem.
Presidente
– E eu não fiz? Pobre de mim: reconhecido na Terra, ignorado no Céu!
Anjo –
Só entra nesta Barca quem tem muito amor e é nobre do coração.
Presidente
– E eu não sou? Olhe, posso ver se tenho aqui dinheiro suficiente. E, se não
tiver, pode sempre aceitar ações da minha empresa: valem muito dinheiro!!!
Quero pagar a viagem em primeira classe: não me contento com menos!
Anjo
– Esta viagem não tem preço aqui: paga-se em vida, durante a vida. E tu não o
fizeste. Não to disse já o teu irmão? Tu és aquele que fugiu ao fisco, que escondeu
dinheiro por todo o lado, que explorou os empregados e que roubou os clientes.
Presidente
– Mas nem as esmolas que dei, nem a solidariedade que exerci, nada me vale
agora?
Parvo
– Solidariedade? Qual? Só davas porque podias meter isso no IRS! Nunca fizeste
nada pelos outros: apenas por ti próprio!
Anjo
– A solidariedade faz-se anonimamente, não precisa de câmaras de televisão
atrás, nem de grandes conferências de imprensa!
Presidente
– Mas eu ajudei muitos conhecidos, arranjei-lhes bons empregos!
Parvo
– Pois, à troca de milhões!
Presidente
– O que é que eu fiz!!! Estou condenado ao Batel Infernal!!!
O
Presidente volta à Barca do Diabo.
Diabo
– Entre! (fazendo uma vénia, sorriso irónico nos lábios) Entre,
senhor Presidente, seja muito bem-vindo! Sente-se ali, junto aos remos que lhe
guardei. Para o Inferno o vou levar. E lá vai-me ajudar a ganhar mais dinheiro…
e a convencer outros a seguirem os seus passos!
Presidente
– (hesitante e cabisbaixo, ombros encolhidos) Pobre de mim! Agora é que
o meu jogging mudou de figura: passo das corridas para o remo! Que
tristeza! Que desconsolo! Que desilusão!
Diabo
– Não receie, meu caro: no Inferno encontrará muitos amigos. Agora, entre sem
mais demoras. Para a beira do Satanás vai conversar.
E
lá entra o Presidente na Barca do Diabo, rumo ao Inferno.
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