quinta-feira, 14 de maio de 2020

AUTO DA BARCA DO INFERNO VERSÃO 2.0 (8) A cena 7

AUTO DA BARCA DO INFERNO
VERSÃO 2.0
(pelos alunos do 9º E)

CENA 7 – O PADRE DE ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS E A IRMÃ SEGUIDORA
        Chega um Padre. Vem vestido com batina, tem um terço pendurado ao pescoço e a Bíblia debaixo do braço; pela mão, traz uma criança. Acompanha-o uma Freira, devidamente trajada, com um terço pendurado na mão. Param diante da Barca do Inferno.
Freira – Ó da Barca!
Diabo – Ah! Mais dois passageiros! Que bom! Qual é a vossa graça, senhores?
Freira – Sou Maria, seguidora do Senhor, apologista do bem.
Padre – E eu sou o Padre Aconchego, Pároco da freguesia da Terra dos Inocentes.
Diabo – (fazendo uma vénia exagerada) Entrai, entrai! Tenho os vossos lugares reservados!
Padre – Como, “entrai”? Convém saber, primeiro, para onde ides…
Diabo – (sorrindo abertamente) Para junto de Satanás, o vosso Senhor, vosso amigo.
Padre e Freira – Como? Para junto de Satanás? Como te atreves a dizer tal coisa? Somos pessoas da Igreja: sempre adorámos a Deus sobre todas as coisas. Eu celebrei missa todos os dias e esta Irmã assistiu sempre. Sempre fiz bonitos sermões e dei bons conselhos aos meus paroquianos e …
Parvo –Os conselhos, eram os São Tomás: “Faz como ele diz, não faças como ele faz”!
Padre – Bem, não queremos mais conversa por aqui. Irmã, vamos mas é ter com Nosso Senhor.
Dirigem-se, ambos, à Barca da Glória, onde o Anjo os olha, tristemente.
Padre – Bendito seja Deus Nosso Senhor! A paz esteja consigo! Diga-nos, caro amigo, por onde é a entrada?
Anjo – E porque pensam que são dignos de entrar aqui?
Freira – Toda a minha vida foi dedicada a honrar os princípios de Deus, sem nunca cometer nenhum crime.
Parvo – (aparte) Nunca cometeu nenhum crime, diz ela. Para freira, tem ar de fresca! Ah! Ah! Ah!
Anjo – Vejo que parece devota e que consigo traz a sua Bíblia. Mas esse saco, o que contém, que parece pesado?
Parvo – Coisa boa não deve ser!
Freira – São lembranças do mundo terreno, coisas que gostaria de levar comigo pelo seu valor sentimental.
Parvo – Se assim é, mostra lá o que trazes, frei-ri-nha!
Anjo – Mente com todos os dentes que tem na boca. Vergonha alheia, essa.
Freira – (de cabeça baixa, envergonhada) De facto, não são lembranças, mas sim dinheiro que herdei. Pensei que, se o trouxesse, poderia fazer o bem no Céu.
Parvo – Dinheiro herdado ou roubado?!
Freira – Roubado? NUNCA! Por que haveria eu de fazer tal coisa? Eu nunca seria capaz de cometer um crime de tanta gravidade.
Anjo – Mas foi exatamente isso que aconteceu e roubar é crime. Para além disso, se fosse boa cristã, saberia que, no Céu, não é preciso dinheiro. Use-o ali (apontando, com a cabeça, para a Barca do Inferno) para pagar a viagem na Barca de Satanás: ele terá, seguramente, um lugar especial para si. E quanto a si, Padre? Por que é que o havia de deixar entrar?
Padre – Porque cumpri sempre com as leis da Igreja e, por isso, até trago uma criança comigo: “Deixai vir a mim as criancinhas”, disse Nosso Senhor Jesus Cristo, não foi? E eu deixei!
Parvo – (ironicamente) Acho que Cristo não queria que abusasses delas, mas quem sou eu?
Padre – Cale-se, que você não é ninguém para falar! (virando-se para o Anjo)
Anjo – Ainda que pobre de espírito, o Parvo tem razão. Vão-se embora!
Padre – Mas o Sr. Bispo sabia e nunca me disse nada!!!...
Freira – (pesarosa) Sr. Padre, parece que não temos escapatória: achámos que ninguém saberia o que fazíamos, mas Deus tudo vê e tudo sabe: estamos condenados a uma vida infernal.
Parvo – Nãããooo, que ideia!!! Seus depravados, filhos de uma grande p… (coça na cabeça, lembrando-se de que está o Anjo ao lado), hummm, fruta!
Padre – Tenho mesmo que ir para o Batel Infernal? Olhai, Anjo, eu não sabia que ela roubava dinheiro! E eu só protegi as crianças que me confiavam! Aconcheguei-as!
Anjo – Se a isso chama proteção e aconchego, o mundo todo chama abuso e maus-tratos: no Inferno pagará, com o seu sofrimento, todo o sofrimento que infligiu aos pobres dos pequeninos! (virando-se para os dois) Vão-se já embora daqui: procurem barqueiro naquela Barca.
O Padre e a Freira vão, cabisbaixos, para a Barca do Inferno. O Diabo espera-os, sorridente.
Padre – Afinal, tinha razão: é mesmo aqui que entramos. Depois de tanto bem que fizemos na vida, aquele Anjo não foi capaz de reconhecer isso e condenou-nos.
Diabo – Não foi o Anjo que vos condenou: foi a vossa vida terrena, mais amiga de Satanás do que daquele que Ele serve. Mas não precisam de vir com desculpas: o Diabo aqui sou eu e ninguém me passa a perna. A vossa Barca foi escolhida: sejam bem-vindos. Procurem dois lugares vagos junto aos remos, que estamos quase a partir.
Os dois entram, ombros caídos, na Barca do Inferno.

0 comentários :

Enviar um comentário

Os comentários anónimos serão rejeitados.