AUTO DA BARCA DO INFERNO
VERSÃO 2.0
(pelos alunos do 9º E)
CENA 7 – O PADRE DE ONDE
JUDAS PERDEU AS BOTAS E A IRMÃ SEGUIDORA
Chega
um Padre. Vem vestido com batina, tem um terço pendurado ao pescoço e a Bíblia
debaixo do braço; pela mão, traz uma criança. Acompanha-o uma Freira,
devidamente trajada, com um terço pendurado na mão. Param diante da Barca do
Inferno.
Freira
–
Ó da Barca!
Diabo
– Ah! Mais dois passageiros! Que bom! Qual é a vossa graça, senhores?
Freira
– Sou Maria, seguidora do Senhor, apologista do bem.
Padre
– E eu sou o Padre Aconchego, Pároco da freguesia da Terra dos Inocentes.
Diabo
– (fazendo uma vénia exagerada) Entrai, entrai! Tenho os vossos lugares
reservados!
Padre
– Como, “entrai”? Convém saber, primeiro, para onde ides…
Diabo
– (sorrindo abertamente) Para junto de Satanás, o vosso Senhor, vosso
amigo.
Padre
e
Freira – Como? Para junto de Satanás? Como te atreves a dizer tal coisa?
Somos pessoas da Igreja: sempre adorámos a Deus sobre todas as coisas. Eu
celebrei missa todos os dias e esta Irmã assistiu sempre. Sempre fiz bonitos
sermões e dei bons conselhos aos meus paroquianos e …
Parvo
–Os conselhos, eram os São Tomás: “Faz como ele diz, não faças como ele faz”!
Padre
– Bem, não queremos mais conversa por aqui. Irmã, vamos mas é ter com Nosso
Senhor.
Dirigem-se,
ambos, à Barca da Glória, onde o Anjo os olha, tristemente.
Padre
– Bendito seja Deus Nosso Senhor! A paz esteja consigo! Diga-nos, caro amigo,
por onde é a entrada?
Anjo
– E porque pensam que são dignos de entrar aqui?
Freira
– Toda a minha vida foi dedicada a honrar os princípios de Deus, sem nunca
cometer nenhum crime.
Parvo
– (aparte) Nunca cometeu nenhum crime, diz ela. Para freira, tem
ar de fresca! Ah! Ah! Ah!
Anjo
– Vejo que parece devota e que consigo traz a sua Bíblia. Mas esse saco, o que
contém, que parece pesado?
Parvo
– Coisa boa não deve ser!
Freira
– São lembranças do mundo terreno, coisas que gostaria de levar comigo pelo seu
valor sentimental.
Parvo
– Se assim é, mostra lá o que trazes, frei-ri-nha!
Anjo
– Mente com todos os dentes que tem na boca. Vergonha alheia, essa.
Freira
– (de cabeça baixa, envergonhada) De facto, não são lembranças, mas sim
dinheiro que herdei. Pensei que, se o trouxesse, poderia fazer o bem no Céu.
Parvo
– Dinheiro herdado ou roubado?!
Freira
– Roubado? NUNCA! Por que haveria eu de fazer tal coisa? Eu nunca seria capaz
de cometer um crime de tanta gravidade.
Anjo
– Mas foi exatamente isso que aconteceu e roubar é crime. Para além disso, se
fosse boa cristã, saberia que, no Céu, não é preciso dinheiro. Use-o ali (apontando,
com a cabeça, para a Barca do Inferno) para pagar a viagem na Barca de
Satanás: ele terá, seguramente, um lugar especial para si. E quanto a si,
Padre? Por que é que o havia de deixar entrar?
Padre
– Porque cumpri sempre com as leis da Igreja e, por isso, até trago uma criança
comigo: “Deixai vir a mim as criancinhas”, disse Nosso Senhor Jesus Cristo, não
foi? E eu deixei!
Parvo
– (ironicamente) Acho que Cristo não queria que abusasses delas, mas
quem sou eu?
Padre
– Cale-se, que você não é ninguém para falar! (virando-se para o Anjo)
Anjo
– Ainda que pobre de espírito, o Parvo tem razão. Vão-se embora!
Padre
– Mas o Sr. Bispo sabia e nunca me disse nada!!!...
Freira
–
(pesarosa) Sr. Padre, parece que não temos escapatória: achámos que
ninguém saberia o que fazíamos, mas Deus tudo vê e tudo sabe: estamos
condenados a uma vida infernal.
Parvo
– Nãããooo, que ideia!!! Seus depravados, filhos de uma grande p… (coça na
cabeça, lembrando-se de que está o Anjo ao lado), hummm, fruta!
Padre
– Tenho mesmo que ir para o Batel Infernal? Olhai, Anjo, eu não sabia que ela
roubava dinheiro! E eu só protegi as crianças que me confiavam! Aconcheguei-as!
Anjo
– Se a isso chama proteção e aconchego, o mundo todo chama abuso e maus-tratos:
no Inferno pagará, com o seu sofrimento, todo o sofrimento que infligiu aos
pobres dos pequeninos! (virando-se para os dois) Vão-se já embora daqui:
procurem barqueiro naquela Barca.
O
Padre e a Freira vão, cabisbaixos, para a Barca do Inferno. O Diabo espera-os,
sorridente.
Padre
– Afinal, tinha razão: é mesmo aqui que entramos. Depois de tanto bem que
fizemos na vida, aquele Anjo não foi capaz de reconhecer isso e condenou-nos.
Diabo
– Não foi o Anjo que vos condenou: foi a vossa vida terrena, mais amiga de
Satanás do que daquele que Ele serve. Mas não precisam de vir com desculpas: o
Diabo aqui sou eu e ninguém me passa a perna. A vossa Barca foi escolhida: sejam
bem-vindos. Procurem dois lugares vagos junto aos remos, que estamos quase a
partir.
Os
dois entram, ombros caídos, na Barca do Inferno.
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