Jean Anouilh (1910-1987) foi um
escritor francês que se distinguiu sobretudo no teatro mas que escreveu também
um livro de fábulas muito estranho em que as personagens encarnam muitas vezes
aquilo que não esperamos deste ou daquele animal, desta ou daquela pessoa. Às
vezes o autor pega nas fábulas de La Fontaine e “dá-lhes a volta”. Eis uma
delas:
A cabra maluca
A cabra, uma manhã, teve vontade de
viver -
é o termo – “perigosamente”.
Ela tinha lido em demasia a vida nos
livros…
Era todavia uma manhã de felicidade,
Erva tenra ao sol e a corda mal
presa.
Mas nada vos segura quando este
desejo chega.
Enganando a pequena pastora
Que tricotava para o seu enxoval,
Deixando as suas irmãs e o seu
cabritinho,
Partiu pela colina acima,
Sozinha, à procura do lobo.
O dono, estamos a imaginar,
Não a tinha enchido de pancada,
O estábulo estava limpo e a mão sem
rudeza
Vinha ordenhá-la a cada noite…
Mas quando este desejo de partir
aparece
Por mais que possamos ouvir e saber
Que a felicidade está ali, no
quentinho da palha,
Cabra ou mulher, é preciso partir.
Andou a vaguear a noite inteira.
O lobo seguia-a de perto,
Espantado daquele atrevimento,
Perguntando a si próprio se estavam a
gozar com ele.
Era um lobo muito velho que já tinha
visto tanta coisa
Que era raro apanhá-lo desprevenido.
Esta cabrinha solta, sozinha, entre
os penedos,
No seu terreno de caça onde ninguém
arriscava,
Não lhe dava grandes vontades.
Ele pensava que, se a apanhasse,
acabaria na mira
do velho marquês,
que tinha muitos truques no saco.
O nosso lobo pensou: “Não sou assim
tão doido,
Já captei a ideia, senhor marquês.”
E esta cabra, em pleno descampado
Era uma artimanha muito grosseira.
“Deixa-me cá segurar as costas.
Então bom dia! Meter-lhe o dente,
não!”
Deu meia-volta prudente
E voltou para o covil.
Tendo vagueado um dia e uma noite
Inteira,
Sem encontrar o inimigo,
A cabra, cheia de coragem inútil,
Resignada à vida tranquila,
Sentiu que era preciso fazer ao menos
um gesto.
Ah! como as cabras são mulheres…
E assim, tendo encontrado pelo
caminho de volta
O dono que a procurava de braços
abertos,
Não resistiu a dar-lhe em plena pança
Uma valente cornada…
(tradução de J. I. com ligeiras adaptações)
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